(texto que inaugurou o blog de mesmo nome em outro endereço em 2007)
Eu queria poder fazer poemas
Fazer poesias
Uma “poeteria” qualquer
Poesia para se declamar na frente da sala de aula
Todos com seus narizes sobre suas carteiras e cartilhas
Eu queria ter um armazém de poemas
Para estocar paisagens sonoras
Uma fábrica de poemas para distribuir gratuitamente
Para os famintos que nunca poetaram
Franzinos a temer
Famintos a tremer
Na mesmice corriqueira
De um dia-a-dia sem vitaminas literárias
Sem beleza para se ter
Para se ouvir
Ou para se ver
Eu queria poder arquivar
Salvando em mil pastas patéticas
Cheias de pantomimas pândegas
Todos os desejos de desamor
Que enchem os olhos a dar água na boca
Alagando com notas musicais
Os ouvidos úmidos de saliva.
Poderia “poeteria”
Poder ter-rir-ir
Teria-iria.
Gozaria...
Suposições hipotéticas
De uma redundância perdida
Entre o bem e o mal.
O ócio e o aço
O cio e o lasso
O cujo e o tal
Estocar caixas
Estocar-estocar-estocar
Potes de R$1,99
Vidrinhos vagabundos
Reuniões de Tuperware
Somente para encher-encher-encher
E estocar aos montes a poesia
Para tecer uma imensa cortina
Para proteger as retinas
De um mundinho tão medíocre e vil
Cortina essa
De estampas sórdidas
Bordadas por fio sem brio
Por mãos sujas
De quem nunca respirou poesia qualquer
De quem nunca amou sem pensar em nada
De quem nunca se sentiu tão intimo do vento
Mas para que supor isso ou aquilo?
O que poderia ser?
O que poderia ter sido?
Apenas poderia
Poderia
Pensamento nosso de cada dia
Poderia
Poeteria
Poeteria crônica.
Cronicamente viável.