segunda-feira, 31 de outubro de 2011

"Alice no País das Telemaravilhas"





(Este texto foi publicado no ano de 2.006, quando a Rede Globo exibia as novelas e a minissérie que estão abaixo com títulos em fonte caixa alta. Esta crônica fala apenas dos temas das obras na sociedade e não das obras citadas).

Era uma vez uma garota – ou um garoto - muito pobre e que se chamava Alice. De tão pobre não tinha nenhum espelho, tão pouco uma televisão. Eis que em um belo dia acinzentado, após tentar em vão, pedir alguns trocados no semáforo, Alice se deparou com uma vitrine de um famoso magazine. Entre tantos eletrodomésticos tão fascinantes e que nem desconfiava para que serviam, um lhe fez faiscar os olhos, o único aparelho que lhe atraiu sua atenção, foi uma TV. Num momento hipnótico, Alice não se importou com os transeuntes que com tanta pressa e destino certo, quase a levavam, o que importava era a TV que estava ligada. A vitrine tão ampla e de vidro tão cristalino, que de tão limpo espelhava a face esfomeada de Alice, mas esta, não via essa mesma face, via sim seu rosto na telinha, jamais se divertiria admirando seu rosto tão cheio de vontades e desejos que era transmitido por seu reflexo na vitrine, queria só olhar para a imagem transmitida da Vênus Platinada que lhe entorpecia a dura realidade. Como um Narciso contemporâneo, mergulhou dentro do lago da imagem perfeita que queria ver, que queria ser, que queria ter. Chegando à fantástica fábrica de ilusões, não sabia qual ficção lhe seria mais doce, qual personagem lhe seria a mais saborosa, que falsa realidade lhe seria mais verdadeira e suculenta. Logo se viu perdida num jardim tão botânico com várias portas e Alice hesitou qual delas deveria abrir. Corria por um labirinto cheio de estrelas. Algumas tão brilhantes e reluzentes outras tão apagadinhas, algumas tão vivas e outras tão artificiais. Não teria tempo a perder, deveria se organizar e começar pela ordem seqüencial. Foi então que se decidiu por abrir a primeira porta de nome:

ALMA GÊMEA – Ficou encantada, era tudo tão belo e tranqüilo, ali todos tinham que encontrar sua cara metade, muito simples, não? Mas como? Se as pessoas tinham medo de: se abrir, de se deixar enganar, de sofrer, de dar o número do telefone e ficar por toda eternidade esperando por tal telefonema que não vem, um telefone que nunca toca, é sempre uma tia chata, um tele-marketing ou um engano. Medo de sair de casa, de abrir a janela, de abrir a porta, de abrir a boca, de abrir o coração, de abrir... Na internet descobriu um novo rumo para encontrar o grande amor, se empolgou, mas logo viu que quem dizia que era alguém, era um outro alguém que não o era e assim por diante, era como namorar o homem invisível. Nunca se sabia quem estava do outro lado lhe dizendo que a desejava. Difícil! Alma gêmea realmente só poderia ter funcionado no passado, porque em 2006 estava muito difícil, nada era mais um mar de rosas. Logo pensou – Que merda floreada é essa? Sem querer perder tempo saiu pela porta que entrou e assim penetrou na que vinha em seqüência, as letras anunciavam:

BANG BANG – Como saber o que significava aquilo, teria que experimentar para distinguir, a que fosse eleita a melhor, seria a que iria ficar. Ali nada era inocente como no local anterior, o tempo todo, balas perdidas se perdiam entre pessoas perdidas. Um plebiscito dizia que todos poderiam ter armas em casa. Sim, todos! Todos os xerifes, todos os mocinhos e todos os bandidos. Logo após explicarem o que era plebiscito, Alice perguntou - Se os bandidos têm armas e os xerifes também, para que os mocinhos precisam ter armas? Logo um paciente caubói lhe esclareceu -Tem xerife que é bandido e tem bandido que é muito bonzinho para seu povo, também tem mocinho bandido e bandido mocinho. Alice não entendeu, achou tudo muito confuso e o paciente caubói explicou de outra maneira – É muito importante ter uma arma. Hoje em dia tem filha mandando o namorado matar os pais a pauladas, uma arma embaixo do colchão é imprescindível. Tem juiz matando segurança de supermercado, arma nas compras é fundamental. Tem mamãe afogando o próprio bebê no rio, uma arma dentro da fralda é vital. Tem estagiária eliminando a concorrente no trabalho, uma arma na gaveta de sua mesa é primordial. Entendeu? Antes que o caubói acabasse a frase, Alice já corria para fora daquele lugar sangrento, enquanto anunciavam mais uma chacina, nunca mais iria querer estar ali naquele mundo de Marlboro. Logo pensou – Que merda poeirenta é essa? Batendo a porta com raiva, depositou os olhos reluzentes na porta seguinte, o título logo a fascinou e lhe fez correr para dentro:

BELÍSSIMA – Assim que chegou, uma bela recepcionista ex- top model lhe informou. – Imagem é tudo, sede não é porra nenhuma, querididinha! Mesmo porque, para beber bem, tem que estar bela, que é para alguém lhe pagar a bebida. Quem sabe assim, alguém lhe pagar um jantar, um carro importado, um apart-hotel, uma viagem para Paris, um... Enquanto Alice se distanciava, ainda era possível ouvir a recepcionista que disparava a falar. Era um lugar excêntrico onde todos eram belíssimos, homens, mulheres, jovens, velhos, carros, casas, avenidas, cães, bastava querer. Mais do que depressa, Alice pensou – é aqui onde eu quero morrer, caraca! – mas logo algumas informações lhe causaram dúvida. Precisaria alisar o cabelo diariamente, fazer uma série de exercícios em aparelhos, diariamente, não poderia comer nada que era gostoso, pois tudo o que era bom engordava, era proibido, ou ilegal. Do nada, apareceram homens de branco que lhe colocaram numa balança e logo após alguns números torceram o nariz, lhe arrancaram a roupa e com canetas rabiscaram seu rosto e seu corpo, dizendo o que iriam tirar e o que iriam por, para que ficasse bela. Logo pensou... – Que bela merda de vida é essa? – Em passos desanimados escapou de fininho.

JK – Logo ao entrar na última porta, depositou todas as suas esperanças, o que seria aquela sigla misteriosa e desconhecida? Aquele local era um verdadeiro cenário apoteótico, parecia um verdadeiro cenário cinematográfico. Todos que habitavam ali comentavam sobre os escândalos que envolviam seus governantes. Aquela terra árida, daquela cidade que havia sido idealizada politicamente pelo dono daquela sigla e que agora era ressuscitado como marketing, ops, como mártir, para salvar a pátria desmoralizada pela ultima carta que havia na manga suada e surrada daquele país desacreditado. O novo mártir era carregado pelo povo e discursava no palácio do governo, entre condecorações e homenagens, uma chuva torrencial assustava a todos. Alice tentou conseguir uma chance de comer alguma coisa naquela farta recepção de boas vindas ao novo velho líder, mas logo os seguranças a jogaram rampa abaixo e ela rolou na terra seca que começava a virar lama. Momentos depois, a chuva se revelou apocalíptica, acabando com a festa de todos. A água subia e a construção moderna em linhas retas fazia lembrar uma arca de concreto com um Noé de barba grisalha que esbravejava em seu último e infeliz discurso. Logo o prédio submergiu. O mar de lama subia e Alice tentava sobreviver no alto de um prédio, mas logo a lama chegou em seu queixo e seu último balbuciar foi um funk funesto em ritmo de marcha fúnebre – Tô ficando atoladinha! Tô ficando atoladinha! Tô ficando atoladinha! Num sobressalto Alice saltou do sonho/sono e se viu ali sentada na calçada, nenhuma daquelas portas haviam sido abertas, como nenhuma outra em sua medíocre vida. Percebeu que aquele sonho não vinha de dentro da telinha, vinha sim de dentro da latinha que segurava, da pedra que havia fumado, com sua resistência já comprometida e sua mente já tão desistida de tudo e de todos. Não houve mais forças e se entregou...

A VIAGEM, a última porta que desconhecia, etérea e de entrega. Pensou antes da partida - quando dizem que um filme de sua vida passa bem rápido... NÃO VALE A PENA VER DE NOVO.


sexta-feira, 21 de outubro de 2011

"Impossível"




os lixeiros passavam atravessando a noite,

a noite que contornava a praça,

tentavam recolher tudo o que havia de putrefato;

é fato a praça agonizava tentando ainda ser praça;

dois amigos tentavam curar o nosso país,

eu almejava muito pouco...

apenas viver ainda um grande amor,

enquanto me houvesse vida;

o amor ainda vivia em algum lugar talvez distante dali,

havia a possibilidade que os lixeiros o tivessem levado.

a praça adormecia...

os amigos se despediam... 


não dormi. 


e o país seguiu entre putrefações...





terça-feira, 4 de outubro de 2011

"A Volta da Mulher/Estrada"




               Sempre que viajava de ônibus escolhia as poltronas dos fundos, eram sempre as menos desejadas pelos outros passageiros. Assim podia garantir que ninguém se sentaria ao seu lado. Raríssimas vezes o ônibus lotava, e era obrigada a ter um indesejável acompanhante. Na estrada sempre dormia esparramada, as imagens velozes da janela, árvores em animação lhe relaxavam a mente, um bom sonífero. A mala que nunca era muito farta sempre acima da poltrona, nunca guardada lá embaixo com as outras. Sempre achava que alguém poderia levar o que era seu, o que daria o maior trabalho, repor todos seus pertences, não pelo valor, mas pela particularidade deles. Certa noite o ônibus chegou em sua cidade e como sempre, despertava como num passe de mágica e então desceu, seguiu para o terminal e pegou o outro ônibus até sua casa. Sentiu falta de algo, tarde demais, sua mala havia ficado lá. Nem sempre viajava com mala, às vezes voltava no mesmo dia, dependia da quantidade de trabalho. O que fazer? Sua vontade era de descer ali. Mas de nada adiantaria, ele já teria partido. No dia seguinte ligou no “Achados e Perdidos”, nada havia sido encontrado naquele horário e com aquela descrição. Isso nunca havia acontecido em anos de viagens.  O mais cruel era que suas roupas preferidas estavam ali por coincidência, seu secador de cabelos, seu par de sapatos predileto, seu melhor perfume. O que faria? Saiu no dia seguinte após desligar o telefone. Saiu com a roupa mais simples, os cabelos ao natural, apenas um desodorante, e sem saltos altos, saiu desprovida de tudo, sentiu que tinha feito uma doação involuntária providenciada pelo cosmo. A única palavra que lhe consolava agora era -  “desapego”. Pensava que agora sua mala poderia estar em algum outro planeta, peças sendo disputadas a tapas por seres verdes de duas cabeças. Seguiria agora, como a estrada que vai e volta, nua e negra, por onde todos passam sem perceberem, sem ficarem, sem significados...


Paisagens por segundo. 

Coração volátil.

Janelas abertas.

Brisa...