domingo, 2 de outubro de 2016

"Aurora"















Aurora se foi...
Esperando a aurora boreal
Os coelhinhos da Páscoa... o Natal
Tão pouco fadas ou duendes vieram
E sim fados doentes se fizeram
Em seus ouvidos de silêncio
Nem mesmo o dedo no fuso foi necessário espetar
A monotonia do castelo em tédio reinava desde o raiar
Só se prostrou a esperar pelo príncipe... e fiar...
O homem perfeito que nunca chegou
Porque simplesmente nunca existiu
Hoje os fios do fuso se mesclam as teias do seu sexo nunca visitado e aos fios brancos de seus cabelos
A poeira dos lábios de cima às dos lábios de baixo nunca tocados
Em seu vestido branco virginal
Mais branco que o cavalo do príncipe ausente
Antes tivesse provado os sapos saltitantes causadores de alguma alegria
Por vezes asquerosos, mas mesmo assim teriam lhe proporcionado certa euforia
Dorme então assim para sempre até suposto fim
A música ecoa pelos corredores do castelo de sua mente
A voz diz assim:
Fiando...
Fiando...
Não paro de fiar,
 Trabalho cantando
Na roca de fiar...
f...





terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

"Luz Amarelada"






No quarto frio de literatura suja, de beira estrada, esperava "ele" por alguém. Enquanto a noite não se calava, inquieta... arredia... incessante... notívaga e galopante em seus cascos a ecoarem nos labirintos de sua mente.

A TV sórdida, num canal decadente, exibia um filme vagabundo sobre um romance marginal, era a hora da boca que não se calava, suspirando afoita em desejos vãos.

"Ele" ficou ali por horas imóvel e impassível esperando pelo cavalo do príncipe, sim, cavalos existem, príncipes não mais.

Depois de tempo indeterminado, o cavalo chegou e o pegou ali seminu, o colocou sobre seu lombo e saiu trotando.

No trajeto íngreme e irregular, transitou entre seus sonhos equinos e flashes tão repentinos do filme ordinário, o que o fazia acreditar que estava a caminho de casa, era o trotar do seu amante em meio a poeira da estrada sem fim.

Logo "ele" seria de seu cavalo, somente, sem pensar em sonhos ou príncipes e então novamente ficaria só e assistiria a TV chuviscada exibindo imagens de pessoas normais em situações comuns, coisa que não existe.

O que restava de esperança no canto sujo e empoeirado da memória, não era nenhuma claridade luminosa, mas sim um detalhe daquele último quarto de motel, a reconfortante luz amarelada...

"Ele" sabia que era apenas pó, seu amante fugia, sumia, mas na abstinência voltava para aspirá-lo com voracidade de fera faminta e lhe era doce e o levaria para onde fosse, e ele assim esperaria sempre imóvel como pó, pensando em luzes amareladas, daquelas que matam borboletas bobas assim como "ele" mesmo.


Um filme longo de madrugada infinda...



sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

"O vendedor de livros..."




O vendedor de livros vendia livros.

Sim o vendedor de livros vendia livros repletos de palavras. Com certeza o vendedor de livros vendia livros repletos de palavras compostas de letras. É claro que o vendedor de livros vendia livros repletos de palavras compostas de letras, e muitos pontos, vírgulas, travessões... 
e etc. 
e etc. 
e etc...

Obviamente o vendedor de livros vendia livros repletos de palavras compostas de letras, e muitos pontos, vírgulas, travessões... 
e etc. 
e etc. 
e etc....
que expressavam ideias, que podiam ser poemas, contos, crônicas, romances.

O vendedor de livros vendia sonhos.

O vendedor de sonhos vendia livros. Sim o vendedor de livros vendia sonhos repletos de imagens. Com certeza o vendedor de livros vendia livros repletos de imagens compostas de gestos. É claro que o vendedor de livros vendia livros repletos de imagens compostas de gestos, e muitos olhares, ações, dizeres... 
e etc. 
e etc. 
e etc....

Ninguém mais comprava livros porque ninguém mais lia livros.

O vendedor de sonhos e livros não vendia mais livros e sonhos. Sim o vendedor de livros não vendia mais sonhos repletos de imagens. Com certeza o vendedor de livros e sonhos não vendia mais livros e sonhos repletos de imagens compostas de gestos. É claro que o vendedor de livros e sonhos não vendia mais livros repletos de imagens compostas de gestos, e muitos olhares, ações, dizeres... 
e etc. 
e etc. 
e etc....

O vendedor de livros morreu de fome por falta de dinheiro para comprar alimentos e a cabeça repleta de sonhos. O mundo morreu de fome de sonhos com a barriga repleta de alimentos.

Um mundo de livros a voarem como folhas secas ou não em meio aos sonhos perdidos e espalhados na solidão.

O vendedor de livros vendia livros... disse um sobrevivente que o encontrou balbuciando estas últimas palavras.

O vendedor de livros vendia sonhos...

e etc.

e etc.

e etc....
...






sábado, 16 de janeiro de 2016

"A Tardezinha"




A tarde doidivana
Encara a noite que ainda esta por vir
E cai assim insana
Fútil, volátil,
Fugidia...
Esbraveja, a profana.
E se deita, se entrega... mundana!
Esconde o sol no armário 
E recebe a lua que bate a porta.
O que importa?
E a noite vem nua,
De se ver,
Crua de se ter,
Fria de se envolver.
A tarde promiscua dos amantes
Se esparrama preguiçosa
No ócio da bossa,
nos lençóis do firmamento.
Ainda quente se excita, 
Pensando na lua que aflita...
Fica na fossa.
Ainda sugere coisas... palpita
A tarde é a preguiçosa do dia,
A eterna sesta!
O autoritário e pontual sol, 
Homem das manhãs e das manhas,
E das manias tão vãs.
A tarde é assim, se arde e invade 
Sem querer ser de ninguém
Nem do sol, nem da lua,
Tão pouco do dia que lhe entedia,
Ou ainda da noite que lhe da açoites.
A tardezinha foge felina pela janela 
E deixa todos molhados de desejo
Tardezinha de verão
Vadiazinha...

Sem consideração.