terça-feira, 19 de julho de 2011

"A Volta da Mulher/Cortina"




cor.ti.na
s. f. 1. Peça de pano suspensa para adornar ou resguardar janela ou outra coisa. 2. Vedação.


Um dia ela se foi até o fim da linha...
Um dia ela voltou e parou até encontrar a boca da outra igual a si.

Elas escondem as janelas para que você não veja e não saiba o que realmente acontece no mundo externo. Não sofra! Desta maneira você somente terá olhos para "elas", que correm de um lado para o outro, aparentemente submissas em vestes amplas e esvoaçantes que ondulam diante da brisa que nunca entra.
Elas escondem os terceiros para que os segundos e os primeiros não saibam que há mais gente por ali.
Em tecidos longos de recato, que cobrem a paisagem imoral e promíscua de vales e morrinhos quentes e úmidos, vivem assim, as mulheres cortina, que sentem passeios de perplexos turistas em seus ambientes internos e bem decorados.
Às vezes elas se esparramam lânguidas, estando pela sala de estar, ora cobrindo a mesa pela sala de jantar, se perdem em devaneios nos quartos de dormir, se despem no quarto de vestir, vestem camas como colchas e lençóis.
Elas, pálidas e pacientes, mentem, cobrem e recobrem, escondem e descobrem, deixando impune o que quiserem, disparam peremptoriamente da direita para a esquerda e vice-versa, suspensas em argolas, desesperação em seus fálicos varões. Recordações saudosas dos antigos trilhos.
Os olhos da noite tentam invadir, passam incólumes pelas mulheres que tornam melhor a limitação das quatro paredes do que chamam lar, pensando no seu melhor bem estar, no seu servir. No seu pesar, do leve cortinar.


Mulheres de infatigável abrir...


Cortinas de desvelado fechar...

cor.ti.nar
v. Tr. dir. 1. Armar com cortina. 2. Encobrir.



sábado, 9 de julho de 2011

"A Volta da Mulher/Sombra"




            Um dia ela voltou pra ver o que não via há muito tempo, voltou para ver e não ser vista. Ver como tudo ficou. Tudo e todos a sua volta sem necessariamnete estarem. Poder ver das sombras, todos que estavam na pseudo-luz. Retirou da bagagem de mão seus artefatos sombrios da memória. Rodeou e sombreou pelas bordas. Todos riam e sorriam idiotas em frente a TV. Ela, apenas um vulto na janela, por trás das cortinas, vidros. O cão latiu alucinadamente e ela se esvaiu na escuridão desempenhando seu papel de apenas ser sombra, vulto, memória, passado, noite, trevas, vestígio de ser... Se recolheu para dentro do nada do que poderiam vir a supor. Seus saltos altos e pontiagudos nem eram tão pontiagudos assim quando comparados às ilusões perdidas e longinquas. Agora poderia ser a cena de um filme noir, um quadro antigo de museu, um manequim numa vitrine de loja decadente. Os morcegos voavam bem baixo, atrevidos rodeando a luz rente ao asfalto, sentiu vontade de acariciá-los de leve, caso fosse possível, mas era tão impossível quanto retornar àquela casa ou apagar de vez o que passou. Deu sinal e entrou em um táxi coincidentemente preto enquanto ligava seu MP3. Ao som das vozes de Bjork e de Antony Hegarty cantando "Dull Flame of Desire", olhou pra frente, mas não resistiu. Assim como a mulher de Lot, deu uma olhadela para trás, correndo o risco de tornar-se estátua de sal para sempre. Em frente a casa que espionara a pouco, “ele” assistia sua nova partida da calçada, com o rosto oculto pela máscara de sombras dos galhos secos das árvores. A linha que dividia o asfalto, a dividia em duas, o ontem e o hoje, ou o hoje e o amanhã, a luz e a escuridão. Um dia havia partido sombra na calada da noite. Olhou pra frente, já que o motorista indagava qual o seria o seu destino. Disse por dentro em voz alta:
            
              - Quem é que sabe o destino?