quarta-feira, 23 de março de 2011

"a cama desfeita"



As penas dos travesseiros são de gansos mortos que um dia tentaram voar. Agora as penas ainda plainam sob o teto parando... no ar. Travesseiros sem recheios estão sobre o chão, trincheiras murchas desativadas. Lençóis amarfanhados são a fotografia do sexo petrificado e inútil, maracujás de gavetas. A lavanda se mistura ao nosso cheiro impregnado e apagado pelo tempo, assim como prováveis marcas de batom ou gozo, ideogramas sórdidos da luxúria perdida. Seus chinelos deixados para trás tentam caminhar para uma escapada. A cama está gigantesca e cresce mais a cada dia, obesa Godzila confortável de agonia. O som da porta que fechou ainda canta em adágio silencioso, violinos sarcásticos e maldosos, são apenas pernilongos zunindo zombadores. Os cômodos pequenos também agora cresceram e se tornaram castelo de vastos salões, amplos corredores, tetos de tantos andares. Ainda há a sensação que tuas mãos leem  em braile meu corpo, seu antigo livro de cabeceira. O criado mudo, testemunha calada se abstem da culpa.

Agora consigo esboçar leve sorriso descobrindo que a cama tem cupins, eles comem, roem,  trituram e se fartam em insecta santa ceia. Comemoro, bebemoro e assisto ela ser consumida como biscoito de wafer...


A arrumadeira bate a porta, quer arrumar a cama, já que a tarde se esparrama, então murmuro - tarde demais, a cama está desfeita... 







sábado, 19 de março de 2011

"(um pouco)"







(texto criado por volta de 2.006)


Morro (um pouco) mais a cada dia



Agora bem menos



Que minutos atrás



Anteontem bem mais leve



Que o depois, que o depois...



Morro (um pouco) mais a cada manhã



A pouco muito menos



Do que amanhã tem mais



Trasanteontem foi bom



Para depois de depois de amanhã



Morro (um pouco) mais a cada tarde



Mais ou menos vida, muito menos mais



Do que um futuro “aqui jaz”



As horas se perdem atrapalhadas



Nos minutos de segundos



Morro (um pouco) mais a cada noite



Bem menos vivo



Do que vive os pobres mortais



Do feliz ano novo que se foi



Bem menor que os próximos felizes natais



Morro (um pouco) mais em cada despertar



De cada por do sol de notícias gélidas



Depois de amanhã doerá mais dor, que o primeiro tapa



Do próximo choro que será bem mais molhado



Que a última lágrima que acabou de secar outrora



Morro (um pouco) mais em cada adormecer



De cada anoitecer de novidades velhas



Bem pior é o melhor do que não sei se virá



Foi sempre bom o que aconteceu



Já que um dia já se foi



Vivo (um pouco) menos mais a cada dia



Daqui a pouco muito mais que a um segundo



O amanhã é o hoje que alguém reciclou



O hoje é o amanhã que alguém proferiu



E ontem é o hoje que se repetiu em mesmices rotineiras



Passou–se a limpo o passado sujo



Lavou-se a seco o amarfanhado futuro



Triturou-se em pó as recordações já secas



De um pretérito que brotou mudinha



Do incerto futuro cacto amarelado e espinhento



Morro (um pouco) mais em cada uma das vidas



Muito menos vida que em vidas atrás



Morro (um pouco) mais a cada palavra



Muito menos dizeres que em palavras más



Morro (um pouco) mais a cada frase



Muito menos poesia que em frases fatais



Morro (um pouco) mais a cada morro



Muito menos prazer que no último gozo



Morro (um pouco) mais a cada morte



Muito menos corte que a dores atrás



Morro (um pouco) mais



Morro (um pouco)



(um pouco)






quarta-feira, 2 de março de 2011

"Hoje é dia de M-U-L-H-E-R"


(Texto criado especialmente para o "Jornal 100% Vida" - publicado no mês de março de 2.009)

Seria apenas hoje?

Hoje é dia da M-aria, Ú-rsula, L-aura, H-elena, E-lisa e 
R-aquel...


Dia de Maria cuidar mais da casa em que trabalha, do que da própria, enquanto Úrsula pensa mais em sua carreira de atriz.


Dia de Laura, depois de tantos anos, não fazer nada, ao contrário de  Raquel que sai para namorar, antes que a mãe perceba. 
Já Helena decide realizar o grande sonho de escrever, contar histórias, coisa que sempre a impediram de fazer.


Dia de Maria cuidar mais dos filhos da patroa e somente no fim do dia poder ver os seus, enquanto Úrsula se preocupa se está dando a devida atenção à sua casa e  a filha Elisa, suas outras duas grandes conquistas.


Dia de Laura pensar no que vai fazer de sua vida sem aquele turbilhão de obrigações de certa forma tão saudosas, já Raquel está muito longe de preocupações, apenas a escola e o namoro. 
Helena se da o presente de após ter cuidado de tanta gente apenas se cuidar e observar a vida.


Maria tenta ser feliz em seu terceiro casamento, o oposto de Úrsula que está aproveitando sua vida de divorciada e cogita redescobrir a arte do namoro. 
Helena faz novas amizades e se desnuda mostrando seu texto a uma vizinha pela primeira vez.
Laura descobre o que é ser aposentada estando viúva pela segunda vez, enquanto Elisa começa a pensar no vestibular.


Dia como todos os dias, mulheres como todas as mulheres, tão semelhantes, tão distintas.


Um espetáculo do nosso dia-a-dia,  M-aria, tão fascinada adentra ao teatro pela primeira vez, onde Ú-rsula, sua patroa, encena, na primeira fila está Dona L-aura, a mãe coruja. A amiga e vizinha H-elena é quem escreveu a dramaturgia e sente que vai explodir de felicidade. E como sempre atrasada, E-lisa com a amiga R-aquel, querendo prestigiar a mãe em companhia da avó.


Hoje é Dia de M-U-L-H-E-R... de M-árcia, Dona U-mbelina, L-igia, H-ilda, E-va, R-enatinha...     

Parabéns às mulheres de todos os dias!