domingo, 20 de junho de 2010

"Alguém"

-->
(texto publicado em 2007 no blog Poeteria Crônica em endereço anterior)

existe alguém...

para chegar
previsto
certo
quisto
vogais e consoantes se atrapalham e se perdem no lábio que desconhece o nome

...mas que quer pronunciar
alguém que caminha
 em passos velozes
que corre lentamente
voando devagar
a divagar
olhares tentam definir essa silhueta oculta e maquiada de lacuna
... presença distante de lugar nenhum.

alguém na soleira da porta
para e raspa as solas dos sapatos
limpa no capacho
escapa antes que a porta seja aberta
somente o flash da mão que gira a maçaneta
campainha toca ressonando a partida de quem nunca chegou

... apesar de contar os dias para que a distancia das palavras se quebre
sino de catedral
missa de sétimo dia
que falta para você nascer
parir-se da inexistência
renascimento da Idade das Trevas
amanhecer de uma tarde noturna que revela aos poucos

... em cenas, capítulos e atos.
nublada noite de sol
corpo-olhos-dor
redescobrimento
do que ainda não aconteceu
que ainda está por vir
parque possível de possibilidades remotas e futuras

... imediatamente prometidas a tempos.
há um ciclo que se abre
da mesma matéria do que se fechou
ao longe seu corpo
está sob o mesmo sol
próximo à mesma sombra
existe sim

alguém...


domingo, 13 de junho de 2010

"Chapeuzinho Vermelho em Vários Tons" - fábula/trash/pop/fashion


(texto publicado pela primeira vez em 2006, na coluna "Liquidificultura" em site parceiro do Cosmo OnLine)

Chapéu – é um garoto conhecido pelo carinhoso apelido de “Chapéuzinho. O apelido se deve ao acessório usado na cabeça. Sim! Um chapéu branco, “Prada”, uma pechincha arrematada num brechó. É assim que Chapéu pode ganhar algum dinheiro, transportando drogas dentro dele, só assim pode sustentar sua mamãezinha. Inclusive, Chapéu é o que se pode chamar de temporão ou raspa de tacho, é o filho caçula de uma prole de quinze. 


Mamãezinha - não pode mais trabalhar, pois num passado longínquo em um nostálgico verão, numa noite de sexta-feira, de bode, havia enchido a cara de vinho “Chapinha” enquanto ouvia “Abba” e cantarolava o sucesso “Fernando”. Morava num edifício treme-treme em Copacabana e quando estava convencida de que era a “Mulher-Maravilha” se jogara do terceiro andar – achando que o avião invisível estacionara em frente sua janela - sobreviveu, mas ficou impossibilitada de trabalhar. Sendo assim, mãe e filho mudaram-se para um assentamento dos “Sem Terra” no meio de uma especulada floresta. Sendo assim todas as tardes Chapéu sai para trabalhar. Antes disso, Mamãezinha tenta acertar o filho com várias bengaladas, mas ele lépido e faceiro escapa de todas. Mamãezinha docemente diz: 


- Chapéu! Vá pela estrada, hein caralho! Não vai cortar caminho pela porra da floresta, que lá é foda! Lá tem aquele tal de Lobo e ele é muito filho da...


Enquanto isso... passa em vôo rasante, um helicóptero com policiais armados com metralhadoras e Chapéu finge que ouve o que sua mãe diz e concorda com a cabeça. 


Fernando – cafetão e ex-amante de Mamãezinha com quem teve um tórrido romance, um dos possíveis pais de Chapéu, traiu a mãe de Chapéu, reza a lenda que foi com um famoso travesti chamado Branca de Neve. 


Branca de Neve – Pelo amor de Deus! (Isso é uma outra história que tem a tal da madrasta invejosa!). 


O Inicio da Aventura - Chapéu sai alegre e saltitante pela estrada de terra, como se estivesse numa passarela, mas logo se sente cansadinho e resolve cortar caminho pela floresta. Na verdade está louco para encontrar o Lobo, que exala uma forte fragrância que atrai Chapéu, que logo percebe que se trata de “Avanço”. 


(Obs. 1 - Chapéu fica vermelho devido o filtro solar que é de má qualidade). 


Lobo - dizem que é alto, bronzeado, do tipo saradão, vive numa cabana loft/duplex com vista panorâmica em ótima localização, no meio da floresta. Isso depois de ter sido um famoso modelo que depois de decadente, viciado, e acusado ter estuprado a filha de um político corrupto envolvido na CPI das sanguessugas. Lobo fizera da floresta seu esconderijo. A última vez que recebeu uma boa grana foi posando para a capa de uma famosa revista gay, mas cheirou todo o cachê. 


Sanguessuga – 1. verme carnívoro ou sugador de sangue. 2. Beberrão. 3. Parasita. (Ingênua definição que consta nos dicionários, já que seres que se dizem humanos, inteligentes e racionais como o homem, desonram esses pobres bichinhos, ao serem denominados como eles). 


A Rota de Chapéu - levar a bolsa “Louis Vuitton” cheia de “doces” – puro disfarce – até a casa da Vovózinha – puro disfarce também. 


Vovózinha – está com seus setenta anos, fugiu para a floresta depois de ser descoberta pela polícia federal, tinha uma ONG em defesa de sua própria causa e ainda explorava a terceira idade num asilo que administrava. Sendo assim fez da floresta seu refúgio. Atende pelo carinhoso apelido de Vovózinha, o que já ficou mais do que óbvio. Reza a lenda que Vovózinha não é mulher e sim um travesti, até o momento nada foi comprovado. Mesmo assim, dorme de capacete, morre de medo de que um possível pseudo/netinho com bastão de beisebol apareça na calada da noite em seu quarto. 


Floresta – vegetação cerrada constituída de árvores de grande porte, cobrindo grande extensão de terreno; mata, selva – (Esta definição que consta no dicionário vivia muito bem até que um grupo de pessoas que se dizia “sem terra” armou um grande acampamento por ali). (Esta definição vivia mais ou menos bem se não fosse um condomínio fechado de alto nível recém construído bem próximo dali, “O Alphloresta”). (Se não bastasse, os moradores do condomínio, na maioria políticos, na maioria sanguessugas, queriam construir um resort acabando com mais uma parte da floresta, que é feita de árvores que são derrubadas para virarem papel, inclusive para se tornarem dicionários, que servem para explicar o significado de palavras como floresta e sanguessugas). 


Enquanto isso... na floresta... militantes do “Green Life” fazem passeata em frente ao condomínio. 


Enquanto isso na estrada... Chapéu, além de rechear bem o chapéu, havia recheado bem a bolsa, a encomenda era das grandes. Eis que enquanto caminha dublando “Sorry” de Madonna, que ouve em seu i-pod, comprado no mercado negro, avista o Lobo. Ele está com o corpo todo untado de óleo, cabelos esticados com chapinha, e veste uma minúscula sunga “Versace” que imita pele de tigre. Quando Lobo vê Chapéu, para de fazer flexões. 


(Obs. 2 - Chapeuzinho fica vermelho devido à tamanha timidez). 


Inicio da partida - 1º tempo - Lobo avança para Chapéu. Chapéu invade a grande área. Chapéu corre. Um sem-terra nota que Chapéu está em perigo e chama todos os demais pelo seu celular. Os sem-terra avançam. Guarda do condomínio se preocupa. Guarda aciona a polícia. Viaturas caem na estrada. Helicópteros se aproximam. Vovózinha fica inquieta na boca do gol. Emissora de TV fica sabendo. Manifestantes se preocupam, achando que é por causa deles. Corre Chapéu. Corre Lobo. Emissora de TV também sobrevoa a floresta. Corre os sem-terra. Corre Green Life. Corre polícia. Vovózinha entra no armário. Filha de político corrupto e que mora no condomínio “Alphloresta” reconhece Lobo pela TV. Policia troca tiros com sem-terra. Filha de político se excita. Green Life joga pedras na policia. Policia atira no Green Life. Green Life atira na policia e acerta os sem-terra. Sem-terra atira no Green Life. Sangue espirra para todos os lados. 


(Obs. 3 – Chapéu fica vermelho devido o sangue espirrado). 


Mamãezinha - reconhece na TV que Vovózinha é o travesti Branca de Neve, que seduziu Fernando num passado remoto. Mamãezinha segue pela floresta de andador a toda velocidade. Chapéu dribla a Polícia. Lobo joga polícia para escanteio. Filha de político corrupto corre do condomínio em direção ao Lobo. Chapéu corre para a casa da Vovózinha. Lobo segue Chapéu. Vovozinha recebe Chapéu. Lobo bate na porta da Vovozinha que diz: 


- Nossa!!! Porque tudo assim tão grande?


2º tempo - Lobo come Vovozinha. Mamãezinha chega e encontra Fernando no armário. Lobo come Mamãezinha. Lobo come Chapéu. Filha de político propõe acordo. Green Life aceita. Polícia aceita. Sem-terra aceita. O acordo é esquecer a idéia do resort e construir uma igreja. Todos amam a idéia muito mais lucrativa. Pizzas são encomendadas. Todos comem. Todos fazem guerrinha, espremendo sachês de catchup, um no outro. 


(Obs. 4 – Chapéu fica vermelho devido o catchup em demasia). 


Epílogo – Mamãezinha, Vovózinha e Fernando sentam no sofá e assistem à novela. Filha de político inconformada pega um jatinho e vai para Paris, enquanto ouve em seu i-pod, Maysa cantando “Ne Me Quitte Pas”. Todos festejam suas comissões referentes ao novo empreendimento que ocupará toda a floresta. 


Fim – Chega o PCC e acaba com a festa. Lobo e Chapéu fogem no helicóptero da polícia.  


Obs. 5 - Chapéu fica vermelho, devido à tamanha excitação.  


Enquanto isso... Sting e Bonno chegam atrasados de jatinho, mesmo assim cantam em dueto “Sunday, Blood Sunday”. PCC faz back-vocal. 


Moral da história - Somente o amor constrói.
 

quarta-feira, 2 de junho de 2010

"Fast Food – Fast Fuck"


-->

(Crônica selecionada e publicada no livro "Crônicas da Minha Rua", 
Editora Câmara Brasileira de Jovens Escritores em 2009).

"Sou um homem, ou sou um hambúrguer? Eis a questão."

Fast Life - Eu preciso comer! Sim, precisamos comer! Precisamos nos preencher. Preencher nossos ouvidos com música. Estampar nossos olhos com coisas belas. Cobrir nossos corpos com roupas de alguma moda. Usar alguns acessórios de alguma tribo. Encher nossos corpos de sexo e prazer, mesmo que ruim. Encher nossos pulmões de ar puro e ar poluído, muito alcatrão, nicotina e monóxido de carbono. Preencher as palmas das mãos, com objetos desejáveis das mais diversas espécies e texturas. Preencher nossas mentes com alguma ocupação. Preencher nossos espíritos com qualquer tipo de filosofia ou religião. Preencher nossos estômagos com comida. Algum tipo de comida. Algum tipo de diversão. Algum tipo de arte.

Fast Question - Para resolver esse imenso conjunto vazio... Algo que nos toma e nos invade. Uma lacuna universal. O buraco negro do universo. Talvez menor, o buraco da camada de ozônio. Como, se não temos tempo para isso?

Fast Work - Para resolver esse imenso espaço impreenchível... Preciso trabalhar. Preciso preencher minha carteira, meus bolsos, minha conta bancária. Trocar de celular. Trocar de carro. Mudar para um lugar maior. Poder preencher todos os espaços vazios. É preciso preencher a solidão. É preciso se preencher de alguém. De “alguéns”... - O tempo passa. No trabalho os ponteiros do relógio parecem rastejar. No fim de semana, nenhum segundo pode ser desperdiçado. Fast Food! Tic Tac! Fast Tic! Fast Tac! Fast Fast!

Fast Money - Para se ter tudo isso, não há tempo! Pois se tem que trabalhar para viver e pagar tudo isso. Estudar mais, para subir mais e mais, para poder ganhar mais. No minúsculo tempo que resta, preciso preencher todos os outros espaços. Tenho que fugir do trânsito. Driblar a violência. Escapar do stress, do triglicéris, da depressão, da hipertensão, da tensão, da falta de atenção, das neuroses. Para resolver esse imenso problema insolúvel... Preciso de distrações rápidas, que me façam esquecer de todos os problemas. Um verdadeiro “Parque das Diversões Instantâneas”. Preciso de soluções?

Fast Solution - Então corro rapidamente em busca de - filmes rápidos e cheios de ação e efeitos especiais, nada que me faça pensar, nada que eu precise entender. Livros, somente os curtos, rápidos. Roupas, acessórios, não há tempo para provar. A entrega tem que ser rápida. Então compro pela internet tudo o que preciso. Comida só delivery, assim não saio, assim driblo o trânsito e a violência. Músicas, só as agitadas, para que eu não relaxe, não reflita. Caso eu não relaxe nunca mais, procuro um médico rápido, com remédios rápidos e rapidamente estarei bom.

“A insustentável leveza do ser” - Mas ainda estou vazio! Preciso comer! Comer algo. Comer alguém. Um hambúrguer. Um homem. Tanto faz. Que tal - Dois homens, alface, beijo e molho especial, cebola e pic... Ops!!! Picles num pão com lençóis de cetim ou um colchão com gergelim. Tanto faz. É “O Homem Que Come”. “O Abaporu”. O movimento antropofágico e incessante que existe – como uma máquina de lavar – dentro de nós. Como profetizou Tarsila do Amaral.

Fast Food - Para resolver esse imenso Mac Desejo insaciável. Corro para um Mac Local. Como Mac Lanhes. Mac Refrigerantes. Mac Fritas. Mac Sobremesas. Corro para um Mac Cinema, de uma Mac Rede. Encho-me de mais Mac Refrigerante e Mac Pipoca, com muita Mac Manteiga. Vejo – não sei se assisto a um – Mac Filme, com um Mac Elenco, de um Mac Diretor – claro que com Mac Efeitos de um Mac Famoso Estúdio.

Após uma Mac Manhã e uma Mac Tarde.... Como as Mac Novidades num Mac Novo Local. Após um Mac Make-Up, vou para uma Mac Casa Noturna. Peço um número 1, um número 2, um número 3. Mac Beijos, sem saber o Mac Nome. Após dançar Mac Músicas, de uma Mac Cantora que lançou um Mac CD.

Fast Fuck – Fast Love- Tudo acaba em uma Mac Cama. Mac Beijos. Mac Amassos. Mac Foda.
Nada de Mac Sentimento. Ninguém troca números de Mac Telefones. Ninguém marca um possível Mac Encontro... - No Mac Dia seguinte – um Mac Bode. Tudo o que se precisava para começar uma Mac Semana e enfrentar o Mac Trabalho. Tudo começa novamente. Cada Mac Macaco, no seu Mac Galho. Mac Caralho!!!

Fast Time – Só o que é verdadeiro não perece. O natural ainda existe. O verdadeiro. O sensível. O nostálgico. O poético. O lento. Produtos orgânicos. Comida natural. Medicina alternativa. Tai Chi Chuan.Yoga. New Age. Discos antigos. Filmes Clássicos. Livros que marcaram esquecidos na estante ou encontrados num sebo. Flores no vaso, ou no jardim. Almoços de família. Ler poesia. Tomar chuva. Namorar e comemorar os aniversários de namoro. Abrir a janela. Abrir a porta. Abrir a mente. Abrir o coração. Viver de peito aberto.Viver...

Fast Paradise – Por uma vida menos ordinária. Tirar o pé do acelerador. Amar o máximo possível, o maior número de coisas e de seres, que realmente merecem, independente que um dia possam vir a te retribuir.

Fast End - Não ficar apenas esperando que - Num Mac Dia Ensolarado, chegue a Mac Morte. E que ela seja... Fast Death - Fast Soft.