sábado, 12 de novembro de 2011

"A Volta da Mulher/da Vida"




               Retornou riscando as pontas dos saltos pontiagudos dos sapatos altos no calor do asfalto. Faíscas chispavam acendendo o chão em estrelinhas vermelhas, tanto quanto os olhos dos ratos nos bueiros boêmios bêbados de tão fétidos. Seu vestido vermelho reluzia ainda mais que a retina dos roedores, as lantejoulas eram vomitadas dependuradas por fios desgastados, suicidas elas ameaçavam saltarem dos velhos fios babões. Seu vestido parecia escamas da sereia estuprada e mal aproveitada por homens ogros que não souberam saborear nem a mulher em seios, nem o peixe em ceia. Ela tentava andar em linha reta imaginária, peremptória e imprevisível que traçava com seus olhos cansados, sujos do delineador escorrido pelo suor ou pelas lágrimas nostálgicas das esquinas perdidas em suas curvas de vadia. O batom vermelho borrado do sexo oral mal feito e mal pago no beco lúgubre do homem mal lavado. Uma grande bolsa prateada reabastecida de tudo o que uma mulher precisaria durante uma noite até o raiar do dia. O peso fazia com que seu corpo pendesse um tanto para um lado. A pseudo-sereia solitária adentrou o botequim sórdido saboreando a música da “Jukebox” que perambulava na entrada com seu perfume vagabundo que lembrava as flores “dama da noite”, enjoativo, duradouro e persistente. Como num ‘saloon” os bêbados pândegos olharam para ela. Eram ao todo cinco, mais o barrigudo do balcão. Desejaram-na, mas riram do que não poderiam ter, ou apenas achavam, ou apenas temiam do que não conseguiriam dar conta. Ou temiam mesmo que ela pudesse revelar de um por um seus fracassados desempenhos, ou o tamanho de seus pênis. Logo ela debruçou o decote no balcão, e com boca de mesma cor já retocada sorveu sedenta o Campari com gelo e uma fatia de limão a deriva. Quando a música silenciou-se por falta de fichas, as piadas vieram a tona, e cada um se via na obrigação de edificar o vaudeville da vadia. Dado momento todos se contorciam e a contornavam e a abusavam de todas as formas. Rasgaram suas escamas de sereia para lhe devorar a carne ainda tenra.
            - Um último desejo! Peço antes de ser punida por vocês! Fumar um último cigarro!
          Logo os piedosos assentiram, e quando daria o último trago. Ela deu a cada um dos seis, uma bala disparada da arma em punho. Colocou na “Jukebox” uma ficha empoeirada de maquiagem do fundo da bolsa. Após acabar a bebida e mais um cigarro, saiu nua sobre os saltos, pela avenida ao som de “Blue Gardênia”...

(para ver e ouvir "Blue Gardênia" - link abaixo)