quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

"O Estranho Casal, Mr. Ket e Mrs. Ketty"




"Este era o estranho casal Mr. Ket e Mrs. Ketty", da família dos Katkat, diziam-se tradicionais orientais de Katmandu, mudaram-se certo dia, numa certa rua, deveras familiar de gente decente e religiosa, gente distinta e "de bem" num vilarejo.

O estranho casal tentava sempre maquiar as aparências, disfarçar as atitudes, e tentavam agir normalmente numa sociedade cristã e de consumo. Mundo este onde tentavam obedecer e conviver com regras e convenções, até conseguiram praticar os sacramentos. 

O estranho casal também havia conseguido andar em posição ereta, falar em linguagem articulada:


- M...I...A...U?


- MIAU!



Pensaram em parecer mais humanos, mas acharam que esta tentativa poderia ainda mais chamar a atenção de todos. Sendo assim, abortaram o projeto de tais máscaras da sociedade, segundo diziam, todos no mundo usavam máscaras, os Katkat ficaram sem compreender.

Conseguiram com o tempo convencer a todos de que eram seres humanos, apenas seres humanos com certa aparência de seres humanos exóticos, mesmo com todo o preconceito devido certa exoticidade conseguiram com o passar dos anos, conquistar a confiança dos que os cercavam. Sobretudo concretizaram o ideal de serem nomeados animais racionais.

Se lambiam muito, se amavam muito, mas de madrugada não bobeavam, alguém poderia querer atirar um pau, e reclamar ainda que não morreram.

Adotaram filhotes de outras espécies que também eram marginalizados de alguma forma. Mesmo aparentando certa frieza, polidez exacerbada, alguns os achavam um casal blasé, mas não se importavam com os comentários alheios.

Cada dia mais, o casal se chocava com as manchetes dos noticiários; “Mãe afoga bebê”, “Filho assassina família” e assim por diante...

Na calada da noite despiram-se, voltaram a posição quadrúpede, ganharam muros, telhados e...

Nunca mais se ouviu falar de Mr. Ket e Mrs. Ketty, as crias diversas os seguiram languidamente, a casa vazia ficou cheia de pelos e todos se arrependeram por acreditarem que se tratava de um casal normal, de seres normais, seres humanos, com linguagem articulada e posição ereta e... bípedes. Amaldiçoaram os felinos traidores e ficaram de olhos bem abertos para possíveis vizinhos estranhos, já que eram muito espertos.




Com o tempo todos foram fazendo de conta que aceitavam exóticos vizinhos como certa vizinha com cara de ratinha, muito inteligente argumentava muito bem e vivia mergulhada nos livros. Não conseguiram tirar dela o que queriam saber.





Ouve a família que aceitou bem as fartas orelhas do rapaz já que sua conta bancária era ainda mais farta, nem se preocuparam com que cara ou orelhas sairiam os futuros netinhos.




Até a irmã, modelo excêntrica, muito procurada para desfiles de badalados estilistas foi incluída na sociedade, também foi muito cortejada para realizar fantasias de homens "de bem", casados, porém "de bem".

Até que certo dia mudou-se uma família ainda mais exótica que as anteriores...



Dizem que eram fieis, quietos solitários e que num dia de festa repleta de música no ar, onde todos da rua estavam presentes o Sr. Baleia depois de uma série de deboches e piadas sobre sua forma e a de sua família que rodava à boca pequena, os abocanhou a boca grande, os engoliu de uma só vez, bebeu um pouco de água salgada depois, para que descessem melhor.




Desta forma muitos não acreditam e tentam cada vez mais que, amigos animais são melhores que amigos humanos.





Outros tentam alguns artificiais para fazerem companhia  que não conseguem nem animais de verdade e nem humanos de verdade.




Alguns ainda pequenos já se identificam com a diversidade da natureza e buscam outras formas de vida, verdes, leves... Animais! Animais!

Obs.: Nunca mais se ouviu falar de Mr.Ket e Mrs. Ketty, porém, miados sempre veem juntamente com os uivos do vento, patinhas ou unhas pararecem tilintar do lado externo da vidraça. mas as mães tranquilizam seus rebentos:

- São somente os galhos! Não há mais gatos.








sexta-feira, 15 de novembro de 2013

"Chá"






Não da mais pra engolir, esta parado na garganta, não desce, não se mexe, não flui, não vai... 

não segue a diante, está parado, estático, inerte, prostrado. 

Mesmo assim finjo que não vejo, faço que não sei, o faz de conta de quem não conta com o não fazer. 

Olho ao redor e nada digo, não insisto mais em tentar engolir, então você fica bem ali, massa inútil, bolo parado, fragmento seco, engasgado, enroscado, atravancando, impedindo que tudo siga o seu rumo. 

Talvez eu deixe de respirar por isso, ou engula com uma xícara de chá, inteira com a porcelana junto, além do líquido. 

Talvez cuspa arremessando longe, talvez vomite pensando em Linda Blair.

Assim mesmo seguirei adiante impassível, você não, continuara sendo o bolo indesejado. 

Por favor, garçom! Mais um chá! Já ouviu falar em chá?

Tcha... tcha... tcha! 

Chica boom!





sexta-feira, 1 de novembro de 2013

" A menina e os pássaros"





Os pensamentos da menina, voam como pássaros e assim insistentemente circulam a sua volta, nem ameaçam parar, são a roda gigante incessante, o carrossel impossível e desgovernado, um desfile bendito/maldito de sonhos.


A menina não mais os tolera, não mais os doma, malditos/benditos, com as mãos desesperadas tenta afugentá-los, mal ameaçam partir e já estão presentes atormentando-a. Muitas vezes parecem dóceis, n’outros momentos são insanos, imundos, ásperos, voam em desespero e se dispersam num caleidoscópio visceral.


Manada, matilha, cardume, revoada de pequenos demônios/anjos famintos de uma mente, se dispersam e entram dentro de sua saia, e lá desaparecem dentro de seus desejos, na fome/sede de seus dias, suas ideias vãs, memórias de menina viva, pensamentos de menina/morta, viva do querer voar, morta de vontade de pecar, sonhos molhados.


Sua trança é a corda para que meninos imbecis se enforquem, madeixas de gueixa que para sem queixa se afoguem na floresta sedosa arredia. Sua pele tão alva é a neve que congela coraçõezinhos infandos, lábios rosados de cima abaixo são a sombra do mal, a delícia do mel.


Por hora põe os pensamentos úmidos na gaiola e os tranca, castigados, presos... 

loucos para fugirem e se debaterem...  por aí, 

pulsando... 

                   bicando... 

                                   alados... 

                                                ardendo...

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

"A Porta"






A Porta...
A porta fechada
É a entrada não mais encontrada

Paisagem trancada

A porta em tom caramelo cheia de nervuras

Afasta nossas antigas agruras

Acalma os nervos, agora sem mais gravuras

Nem fotos, ou palavras doces ou duras

A porta aparta dentro e fora

A porta aborta já não era sem hora

A porta divide o agora e o outrora

Separa a ida da saída

Fico pra dentro nessa história

Você fica fora pra sempre no vácuo

A dor da porta que bate

Talvez suporte a dor da árvore no abate

Machado faminto veloz e certeiro

A seiva lágrima sangue do ceifeiro

Dentro da porta - o silêncio berra calado em gritos

Fora da porta - a batida cala o eco da mudez sussurrada

Agora fragmento-me assim como a sua partida

Agora despedaço-me como a madeira da porta

Agora sou a assistente do mágico, dividida em partes

....perdida

Agora sou paixão do beco escuro do Jack Estripador que fala ao pé do ouvido com amor:
– Vamos por partes.

Assim sangro seiva e passo na cara óleo de peroba

Assim a porta expele sangue e a hidrato com creme de aveia

A toda hora a porta abre

A toda hora a porta fecha

Você não chega

Você não vem

A porta...
Vale menos que uma porca morta
Descobri hoje
Você é uma porta!
Mas quem se im...porta?






por.ta

Abertura na parede de um edifício, desde o nível do piso até uma altura conveniente, para permitir a entrada e a saída. 

2. Peça de madeira ou outro material que serve para fechar essa abertura. 

3. Peça com que se fecham certos móveis, veículos etc. 

4. Entrada, meio de acesso, admissão, participação ou gozo. 

Arrombar uma p. aberta: fazer trabalho inútil. 

Casado atrás da p.: amancebado. 

Dar com a p. na cara de alguém: 

a) fechar a porta diante de alguém que está prestes a entrar; 

b) negar-se a receber. 

Surdo como uma p.: muito surdo.






quarta-feira, 24 de julho de 2013

"Casa Reinaugurada"









Reinaugurar, nem mesmo quero dizer que a inaugurei um dia, talvez apenas em pequenos atos simples e pensamentos.


Agora reinaugurei, também sem festa, apenas pequenos atos simples e decisões e pensamentos.


Praticamente a inauguração se deu aqui com você acidentalmente entrando e saindo e ficando aqui dentro...


Falo da casa imóvel, aquela que habito, que arrumo, pinto, limpo, na qual reflito.


Falo da casa móvel, meu corpo, que habito, que arrumo, limpo, no meu teatro pinto, na qual reflito...


Agora entrego a casa da qual você não veio mais, não tocou, não bateu, entrego a outros moradores, estranhos visitantes, os chamo, os entrevisto, alguns não passam, reprovam, mas eles veem e agora entram no seu lugar, que não é mais seu, eles entram, passeiam, brincam e se lambuzam e ficam e uma hora vão embora.


É bom reinaugurar a casa que nunca foi verdadeiramente inaugurada, agora quero ela sempre assim em clima de festa, gente entrando e saindo, não mais aquela rotina entediante, pacata e mesquinha, museu empoeirado de tédio. 


Agora aqui é parque das diversões proibidas que aqui se permitem, basta passar na entrevista.


Venham... a porta esta aberta...