Em algum lugar não muito
distante daqui...
Havia um vasto cemitério de
borboletas, e cada vez mais seu território se estendia, pois havia uma sepultura
para cada borboleta que falecia. O hábito de enterrar borboletas com todos os merecimentos
de “um alguém” de mérito se devia a cultura do lugar, a tradição que se passava
de pai pra filho e assim por diante. Alguns questionavam, outros acreditavam,
outros apenas obedeciam com medo da dúvida e do desrespeito.
Ali naquela Terra, as
borboletas eram seres amados e encantados, além de encantadores, pois não faziam
mal a ninguém, voavam, eram leves e coloridos. Reza a lenda que eram seres
divinos que vinham para nos assistir, nos vigiar e nos proteger.
Logo, céticos, incrédulos e
radicais, após inúmeras reuniões iniciaram um processo teórico a ser difundido
velozmente, onde se defendia o desperdício de dinheiro e de terras, sem falar
na pompa e no tempo gasto com os tais pequenos seres alados de cores.
Em pouco tempo se fazia um
plebiscito pra se saber a opinião da maioria e o NÃO às borboletas vencia. Os mais velhos eram os mais difíceis
de se convencer a perda do ritual, não necessariamente na fé.
Aos poucos com o
passar dos anos os rebeldes conquistaram uma a uma de suas idealizações, foram
reduzindo os rituais de sepultamento até zero. Os cânticos de louvor, os livros, as
histórias, que as cercavam, verdadeiras ou lendas que encantavam adultos e
crianças. Com o passar do tempo eliminaram também os cemitérios para as
borboletas e tal desperdício de terra com as pequeninas.
O tempo voava com asas e aos
poucos o povo fez grandes conquistas, a economia prosperou, assim como a
tecnologia se desenvolveu galopantemente, estavam mais centrados, mais focados "no bem" e "nos
bens" daquele pequeno país.
Tão focados, aos poucos
acharam de bom tom eliminar as flores que atraiam as borboletas, alguns grupos
de extermínio também baniram aos poucos as borboletas, pois para nada serviam
além de iludirem com asas e cores, prejudicando assim o desenvolvimento do progresso
e do futuro econômico por fúteis distrações.
Se seguiu o tempo, com os
jardins cimentados, soterrados, pessoas bem melhores de vida, um mundo cinza e
sem cores, mas pessoas evoluídas, sem alegrias, sem ilusões, sem crenças, sem
arte, porém com máquinas, muitas delas. Tudo aquilo fazia parte do passado e havia voado pra bem longe.
O índice de
depressão aumentava juntamente com o de suicídio e o de violência. Os
relacionamentos não duravam mais e pais abandonavam filhos e filhos
assassinavam país.
Um dia, a única menina que
se sabe que ainda acreditava nas borboletas - A Encantadora de Borboletas - que conversava com elas, criava muitas delas em um quarto vazio, morreu porque um carro de design
arrojado e equipamentos de ultima geração precisou passar onde ela estava.
Do
velho tumulo da menina pobre cheio de trincas nasceu flor e uma primeira
borboleta colorida imigrante surgiu... assim parecia que as cores começavam a
brotar borrando e se espalhando pelo planetinha cinzento...
Algumas pessoas largavam
seus aparelhos pelo simples prazer de sentir o vento, outras tiravam as cores escondidas
em seus armários, outras revelavam seus jardins ocultos e até suas proibidas
criações de borboletas que a ditadura plumbea condenava e que agora começavam a ser libertadas, mas sabiam que não
precisavam de cemitérios... e usavam menos farmácias, menos hospitais de uma sociedade doente.
A lenda saltava dos livros,
batendo as asas, pulsando, viva... de cores e seguia pintando o tempo, enquanto a encantadora de borboletas assistia à tudo sobrevoando a nova cidade que começava a borboletear...