A mão aberta e espalmada
acariciava mais uma vez aquele dorso,
aquele tronco, aquela pele
anunciada em letras douradas. Esperta
e com capas abertas como um
paraquedas para amortecer a
própria. Mas a mão do Leitor
de nada quis saber e enfiou-a, arquivando-
a como que para sempre na
estante.
– Que petulância, que
despautério! – pensava a Mulher Livro.
Depois que o tal leitor
havia gozado, graças ao seu corpo e conteúdo,
numa relação de alguns dias,
já que o leitor era um tanto
lento, e considerando que,
seu conteúdo era um tanto farto, resultando
assim em uma semana de
romance interno e externo.
Estando assim satisfeito,
lhe dava as costas, como algo vencido
e superado em sua medíocre
vida de leitor faminto. Mais um, mais
uma, e partia para a outra
prateleira a usufruir mais um corpo, para
se deleitar de outra ostra
literária.
– Não se abram! Não se
deixem levar! Não se entreguem! – exclamava
a Mulher Livro ao ver-se
descaradamente sendo trocada
por outra, ou por outro.
– Quanta promiscuidade! –
Mesmo em meio à multidão da estante,
sentia-se só e pensava lá
com suas páginas: “Um dia ele quis
me levar para sua casa, sem
poder impedir, fui. Sei que o que o
atraiu foi minha capa, é a
primeira coisa que atrai alguém, em segundo
lugar foi o título...”
– Incrível como os ditos
seres humanos ainda se prendem tanto,
e agem tanto, movidos por
títulos!
Chegando em seu lar, ele
desnudava-me, acariciava-me página
a página com suas mãos de
pianista, tocando-me como um
instrumento raro.
Conheceu-me totalmente por dentro, primeiro
desfrutando de minha
contracapa, degustando minha introdução,
deliciando-se com minhas
linhas e entrelinhas, devorando-me em
capítulos, fartando-se com
brilho nos olhos a cada revelação, depois
chegou comigo ao prazer
final, salivando com tal ambrosia
literária, com olhar
malicioso e saciado.
Não abriria-me mais com suas
mãos, não colocaria mais seu
marcador de couro dentro de
mim, dividindo-me em partes. Então
segurou-me fechada, e assim
descansei um bocado de tempo,
quase adormecendo em repouso
sobre seu sexo intumescido. Doce
ilusão momentânea, não me
abriu mais, não me tocou, apenas arquivou-
me como tantas outras, como
tantos outros.
Sendo assim, seria tudo ou
nada, atirei-me quando ele passava,
com reflexo ligeiro, este
amparou-me com palma macia, não resistiu,
abriu-me, vociferou uma de
minhas partes mais prazerosas,
não resistindo, manteve-me
aberta, a devorar-me novamente.
Assim, levou-me novamente
para sua cama, sorrindo. Era só
isso que eu queria, mais uma
vez. Havia valido a pena esperar, já
havia se passado cinquenta
anos, até atirar-me à sua frente após
decidir o arriscado suicídio
com final feliz.
– A volta da Mulher Livro!
Não sabia quanto duraria,
mas quem sabe? Poderia tornar-se
seu livro de cabeceira
definitivo, e deitado sobre o criado-mudo e
sob o despertador calado,
eterno triângulo amoroso adormecido
ao lado do amado leitor
envelhecido.