Começou assim... a mulher aviãozinho, desde pequenina
querendo ser... querendo ir... com qualquer um... sendo tão querida, sendo tão amável,
tão desejada pelos pais, pelos seus entes queridos, tanto carinho, tanto amor,
tantas bonecas e tantos brinquedos.
Todos professores a queriam em sua sala, a doce menina, e
cresceu assim encantadora, elogiada pelos vizinhos, tão docemente exemplar e de
aniquiladora perfeição que os meninos nem ousavam disputar sua atenção,
praticamente uma boneca de porcelana, delicada, educada e inteligente, boa
filha, excelente aluna, boa vizinha, um espelho de cidadã.
O que ninguém sabia era que embaixo de tantas camadas de qualidades
havia a vontade de se livrar de tudo aquilo, de não agradar tanto, de deixar de
ser a mulher aviãozinho, todos querem, todos brincam, mas ninguém toca, fica,
guarda.
Recém-graduada, todos cheios de dedos se convenceram de sua
maturidade e permitiram que ela fosse estudar fora, afinal era ajuizada, plenamente
saudável, nada abalaria sua integridade de boneca de porcelana que todos sabiam
no fundo... no fundo que ela não era frágil, devido as atitudes, decisões e
acontecimentos...
Fora do quarto de brinquedos – sua casa/círculo/amigos/família
– pode sair da caixa pode voar para onde quisesse e para quem quisesse, pode
provar tudo o que queria e que ninguém ousaria imaginar, com toda sua consciência
e em seu pleno juízo. Se entregou a todos os jogos, diversões e guloseimas que a vida
pode lhe oferecer, brincadeiras que jamais poderia contar para ninguém.
Anos depois, já farta de brincar, com um currículo invejável
conseguiu estender sua formação em lugar ainda mais distante, um novo
playground, voaria ainda mais, pousaria refestelando-se em novas pistas,
aeroportos nus...então se viu nem tão saciada assim.
Tempos depois retornou a sua origem, a terra natal, quase
não a reconheceram, por dentro, por fora, ela não era a mesma, apesar de
sempre ter sido assim, a boneca de porcelana chinesa se espatifara e os
caquinhos dispersaram pela poeira do tempo. Quem aterrissara agora era "A Mulher
Aviãozinho", de asas ainda abertas para a liberdade, ninguém gostou do que via,
todos queriam continuar felizes vendo aquilo que imaginavam e os confortava.Nada romântica, nada delicada, mais esportiva, mais moleca e resistente como metal.
“Ela” não ficou muito por ali, fez de conta que nada notou e
dias depois alçava outros voos e aportava em novas terras, aviãozinho... a Gulliver
de saias... se deixando... se permitindo
voar e ser voada... alada... brinquedinho... todos viajavam através de suas
asas, viam através de suas janelas, pousavam com suas rodas, se sustentavam com
suas turbinas e ela os levava para as nuvens.