sábado, 9 de julho de 2011

"A Volta da Mulher/Sombra"




            Um dia ela voltou pra ver o que não via há muito tempo, voltou para ver e não ser vista. Ver como tudo ficou. Tudo e todos a sua volta sem necessariamnete estarem. Poder ver das sombras, todos que estavam na pseudo-luz. Retirou da bagagem de mão seus artefatos sombrios da memória. Rodeou e sombreou pelas bordas. Todos riam e sorriam idiotas em frente a TV. Ela, apenas um vulto na janela, por trás das cortinas, vidros. O cão latiu alucinadamente e ela se esvaiu na escuridão desempenhando seu papel de apenas ser sombra, vulto, memória, passado, noite, trevas, vestígio de ser... Se recolheu para dentro do nada do que poderiam vir a supor. Seus saltos altos e pontiagudos nem eram tão pontiagudos assim quando comparados às ilusões perdidas e longinquas. Agora poderia ser a cena de um filme noir, um quadro antigo de museu, um manequim numa vitrine de loja decadente. Os morcegos voavam bem baixo, atrevidos rodeando a luz rente ao asfalto, sentiu vontade de acariciá-los de leve, caso fosse possível, mas era tão impossível quanto retornar àquela casa ou apagar de vez o que passou. Deu sinal e entrou em um táxi coincidentemente preto enquanto ligava seu MP3. Ao som das vozes de Bjork e de Antony Hegarty cantando "Dull Flame of Desire", olhou pra frente, mas não resistiu. Assim como a mulher de Lot, deu uma olhadela para trás, correndo o risco de tornar-se estátua de sal para sempre. Em frente a casa que espionara a pouco, “ele” assistia sua nova partida da calçada, com o rosto oculto pela máscara de sombras dos galhos secos das árvores. A linha que dividia o asfalto, a dividia em duas, o ontem e o hoje, ou o hoje e o amanhã, a luz e a escuridão. Um dia havia partido sombra na calada da noite. Olhou pra frente, já que o motorista indagava qual o seria o seu destino. Disse por dentro em voz alta:
            
              - Quem é que sabe o destino?




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