Sempre que viajava de ônibus escolhia as poltronas dos fundos, eram sempre as menos desejadas pelos outros passageiros. Assim podia garantir que ninguém se sentaria ao seu lado. Raríssimas vezes o ônibus lotava, e era obrigada a ter um indesejável acompanhante. Na estrada sempre dormia esparramada, as imagens velozes da janela, árvores em animação lhe relaxavam a mente, um bom sonífero. A mala que nunca era muito farta sempre acima da poltrona, nunca guardada lá embaixo com as outras. Sempre achava que alguém poderia levar o que era seu, o que daria o maior trabalho, repor todos seus pertences, não pelo valor, mas pela particularidade deles. Certa noite o ônibus chegou em sua cidade e como sempre, despertava como num passe de mágica e então desceu, seguiu para o terminal e pegou o outro ônibus até sua casa. Sentiu falta de algo, tarde demais, sua mala havia ficado lá. Nem sempre viajava com mala, às vezes voltava no mesmo dia, dependia da quantidade de trabalho. O que fazer? Sua vontade era de descer ali. Mas de nada adiantaria, ele já teria partido. No dia seguinte ligou no “Achados e Perdidos”, nada havia sido encontrado naquele horário e com aquela descrição. Isso nunca havia acontecido em anos de viagens. O mais cruel era que suas roupas preferidas estavam ali por coincidência, seu secador de cabelos, seu par de sapatos predileto, seu melhor perfume. O que faria? Saiu no dia seguinte após desligar o telefone. Saiu com a roupa mais simples, os cabelos ao natural, apenas um desodorante, e sem saltos altos, saiu desprovida de tudo, sentiu que tinha feito uma doação involuntária providenciada pelo cosmo. A única palavra que lhe consolava agora era - “desapego”. Pensava que agora sua mala poderia estar em algum outro planeta, peças sendo disputadas a tapas por seres verdes de duas cabeças. Seguiria agora, como a estrada que vai e volta, nua e negra, por onde todos passam sem perceberem, sem ficarem, sem significados...
Paisagens por segundo.
Coração volátil.
Janelas abertas.
Brisa...
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