sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Confissões ruborizantes do claustro vermelho - "Virginia"




Virginia havia viajado o mundo inteiro, devido seu trabalho com sua carreira bem sucedida como modelo e também com seu marido por causa do trabalho dele - não vem ao caso - ainda assim sempre viajavam nas férias.

Um dia Virginia cansou de tudo isso, do estar em vários lugares, decidiu que precisava de repouso, sossego, tranquilidade, transformação...

Queria agora pousar suas asas cansadas...

Soube da mansão rubra que realizava os mais exóticos desejos e assim foi para lá, e aterrissou...

E seu desejo foi fazer as coisas mais vulgares que todo mundo faz todos os dias, sem glamour, sem novidades, a vida medíocre e cotidiana. 

Queria agora o essencial, o principio e desta forma, não quis mais seu marido. Para poder sentir o sabor da essência da vida solicitou a “casa”, homens simples – que não cheiravam à ouro e à cobre -, e assim se entregou ...


Agora era uma mulher normal, que fazia coisas normais: lavava louças, limpava chão, lavava as privadas da mansão vermelha, cozinhava...
e recebia homens normais, trabalhadores, pedreiros, operários, bancários, vendedores...

Sendo assim havia renascido... rompia a casca do casulo da velha vida de outrora e se expelia saltando para o mundo de uma nova vida.

Encontrava agora sua origem, só não sabia o quanto poderia durar, e querer então correr de volta para o brilho do passado. Voaria envolta da luz enganadora de ilusão e se debateria até morrer seca. Mas a vida é assim, repleta de fases, suas mutações, seus ciclos. 

Agora sentia que voava... sem sair da cidade... sem tirar os pés do chão.




quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Lançamento do meu segundo livro - "Apartamentos Vazios" - crimes de amor e cimento


O dramaturgo e colunista do Campinas.com.brCesar Póvero, fez o lançamento de seu primeiro romance de suspense e segundo livro publicado, “Apartamentos vazios: Crimes de Amor e Cimento”, na próxima terça-feira (16), na livraria Cultura do shopping Iguatemi Campinas, das 19h às 21h. O evento é aberto ao público.




A obra publicada pela Giostri Editora é ambientada em uma São Paulo caótica, cinzenta e sombria, onde vive a escritora frustrada Eloá Lemos. No alto de um edifício, ela trabalha como corretora na “Ascensão Imóveis & Construção”, uma mulher apaixonada por “apartamentos vazios”.Em crise pelas escolhas erradas de sua vida, decide abrir espaço no lugar onde mora, rompendo, assim, uma parede. Após este fato, sua vida medíocre passa a se parecer mais com a das personagens dos best-sellers, movimentando sua vida em 180 graus, e passa desta forma por um processo de 'ascensão'.Enquanto isso, ela assiste a uma série de mortes à sua volta numa trama mirabolante, a qual a faz pensar ser uma grande loucura de sua cabeça, tudo isso enquanto quer publicar seu primeiro livro. Assim, investiga assassinatos, numa visão poética de uma mulher solitária na megalópole. O final da história é surpreendente.


Sobre o autor
O autor Cesar Póvero, de 44 anos, nasceu e vive em Campinas, é pós-graduando em Cinema e Linguagem Audiovisual e graduado em Rádio, TV e Multimídia. Em 1998, seu primeiro roteiro, “O Pesadelo”, foi o vencedor no festival “Etc & Tal de Causas Sociais” pela NET TV. De sua autoria foram escritas 27 peças teatrais, sendo três adaptações. Atualmente estão em cartaz “Anonimato e morte de Doralinda, linda por demais, linda de frente, linda de trás” e o infantil “Com que Chapéu Eu Vou?”, além do teatro de rua “Breu”.

Autor de vários poemas, contos e crônicas que são postadas no blog “Poeteria Crônica”, e crônicas de ficção e cultura no blog “Liquidificultura” no site Campinas.com.br. Possui textos publicados em “Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos vol.54”, “Crônicas da Minha Rua” e “Contos de Outono” pela editora CBJE. Autor do livro “Casa Nua” e roteirista do programa pra web “E-Sarau”, episódio “Casa Bancária”, e o curta-metragem “Um Erro Chamado Noêmia” e “Os Medos de Matilde”. Ministra oficinas de teatro desenvolvendo a dramaturgia dos alunos pelo POIESIS e pelo Centro Cultural Casa de Joana em Hortolândia. (Também trabalha como ator e diretor e atua em áreas como figurinos e cenários).  

Serviço:

Lançamento do livro “Apartamentos vazios: Crimes de Amor e Cimento”, do autor Cesar Póvero
Local: Livraria Cultura, shopping Iguatemi. Av. Iguatemi, 777, Vila Brandina – Campinas
Data: 16 de dezembro
Horário: das 19h às 21h
Entrada:
Informações: (19) 3751-4033 

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Confissões ruborizantes do claustro vermelho - "Pietra"







Pietra chegou a mansão rubra com o desejo mais puro de todos os que já haviam se hospedado ali. Entre tantos sonhos obscuros, o “dela” era límpido, quase um sonho de criança, devido este detalhe, pagou muito mais caro que as demais mulheres e ainda assim não lhe garantiram o produto almejado. 

Pietra havia começado sua vida como todos os seres humanos, com todas as chances de uma vida correta e todas as incorretas. Mas o qual seria o melhor caminho? Caso fosse se basear na tão recomendada bíblia, o que não faltava eram exemplos sórdidos, por que ela não teria direito de prová-los?

De uma infância inocente e uma adolescência comportada, Pietra se tornou a filha exemplar, mas depois de tanta carência provocada por pais tão corretos, após o desprezo dos colegas de escola por ela parecer tão diferente e tão perfeita, Pietra só esperava pelo dia de sua maioridade.

Certo dia quebrou o silêncio e foi morar só, os pais não puderam impedir, Pietra conheceu então a bebida, o cigarro, as drogas, que não lhe fizeram a cabeça, o sexo... este sim lhe fez a cabeça, o corpo, a pele... regado a bebidas e cigarros...

Pietra se descobriu quase ninfomaníaca, quase alcoólatra, quase... tudo, mas sabia que tinha o controle, podia ficar um dia sem, dois, três... mas não era fácil.
Adorava homens sórdidos em lugares sórdidos e palavras chulas, tudo o que quebrava o cristal da pureza e o encanto da perfeição do passado.


Enjoada disso tudo, fatigada, agora Pietra queria um amor verdadeiro, puro, infantil, pueril, coisas de primeiro amor, de pecado original. Não pensava em restaurar a sua virgindade, queria se isolar de tudo, abster-se, cicatrizar a alma, sentir-se limpa novamente. 

Agora estava ali aguardando o dia em que poderia cometer um pecado realmente “original”.


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

"Te amo..."



Texto escrito por volta do ano de 1992, da série Antiguinhos Inéditos. Provavelmente piegas, mas o amor é piegas. Não é?


Eu... te amo.

Te amo...

Amo sim...

Por todos os poros,
Com toda a pele,
Todas as unhas,
Todos os pelos,
Todos os sentidos,
Por todos os gemidos.
Com todos os membros,
Todos os meus órgãos,
Toda minha carne,
Todos meus ossos e veias de sangue.
Amo sim,
Com toda minha frustração.
Com todas neuroses,
Todo tesão,
Toda fraqueza,
Toda ousadia,
Com toda minha covardia,
Amo...
Amo em segredo.
Segredo que é dor.
E que se abre,
Dor de ferida que arde,
Amor proibido,
Que me prende como grades.
Amo...
E sei que vou te amar com toda paixão,
Pelo resto dos dias.
Jamais esquecer teu nome,
Que pra muitos é comum,
Mas pra mim esta tatuado no coração
Como prece,
Oração.
Amor que sinto como corte
De tão forte
Substitui qualquer religião.
Amor...
Que me descontrola,
Peço trégua,
Que de tanta loucura
Me cega.
Que é tanto
Sem realmente poder amar.
Tão forte é o desejo
Que chega a queimar.
Que minha vontade às vezes
É de me matar,
Ou de fugir,
De me perder,
De sumir,
De me esconder,
De explodir
E desaparecer.
Mas já que não posso
Eu oculto,
Eu sufoco.
Mas às vezes quase falo,
Depois penso,
Me fecho,
Me calo.
Mas até quando será isso?
Será que vou aguentar?
Será que um de nós vai partir?
Será que um outro amor vai surgir?
Duvido...
Mas esqueça tudo,
Não importa.
Só te espero bater em minha porta.
Que seja só para ver teu sorriso,
Teu olhar,
Ouvir tua voz
E sentir tua pele,
Mesmo que seja
Num simples
Aperto de mão.



sexta-feira, 11 de julho de 2014

Confissões ruborizantes do claustro vermelho - "Aracy"




Aracy, ao contrário de Cordélia que sempre teve tanta liberdade que um dia se opôs a ela, a mais nova hóspede da mansão vermelha tem uma história bem diferente. Aracy sempre viveu reprimida pela educação do pai déspota numa pequena cidade do interior, distante numa fazenda. O quanto antes quis se casar para se libertar, e assim conseguiu...

O que Aracy não sabia era que o homem que havia escolhido rapidamente, era possessivo, obstinado e que imaginava coisas com frequência, como se ela fosse fútil e vazia e olhasse para todos os homens vulgarmente. Talvez isso se devia a traição de sua sogra, a qual nunca conheceu, foi banida pelo pai de seu amado.

O destino um dia lhe favoreceu, quando achava que nunca mais se libertaria dos déspotas e ditadores de sua vida, seus carcereiros de merda, a sorte do acaso surgiu, seu marido também fazendeiro foi traído. Ele que amava o gado acima de todas as coisas, por um touro foi traído, sem chances de defesa, a sombra dos cornos na luz do sol sobre o pasto pareciam mais a presença de Lúcifer que havia vindo para salvá-la.

Aracy sempre havia orado para Deus, e para o Diabo quando cansou de pedir ao céu, que seu pai fosse levado, depois que seu marido fosse levado. Quando deveria comemorar por dentro, caminhou inabalável diante do touro desafiando-o deitou-se no pasto e como no quadro de “Pietà” confortou o falecido em seu colo, o beijou, e se marcou com seu sangue, nele ainda, os arames farpados da cerca da qual seu homem tão odiado tentara escapar. Tentara...

Agora Aracy agonizava por ser livre, se acostumara ao claustro, a liberdade era um dissabor, desejava o marido morto, suas mãos, suas amarras invisíveis. Então sendo assim se entregou ao tal endereço rubro e numa sala de mesma cor, se envolvia nos arames farpados que lhe prendessem, que lhe punissem, que lhe causassem dor, a dor da ausência do amado censor, seu torturador anônimo invadia o quarto.

Aracy ardia em desejo, a máscara dele permitia que ela imaginasse que ele ainda estava vivo, seu marido, seu pai, déspotas, despida de roupas, vestida de desejos, agonizava ansiosa. O vermelho do claustro a  fazia recordar do sangue do amado, suas chagas que limpara, agora queria as suas, as suas chagas da purificação.

Aracy, arames, espinhos, aleluia, agora se sentia viva, conseguiu sorrir aos primeiros toques frios do invasor e ruborizou-se imaginando como seria se “eles” estivessem ali assistindo tudo... 
Hosana nas alturas!


sábado, 14 de junho de 2014

"O Calvário"




(este texto foi escrito originalmente, faz mais de 20 anos)


   A arte carrega a vida... 

A vida carrega a arte...


Um comediante carrega o riso,
Um ator carrega o aplauso,
Um palhaço carrega as lágrimas,
Um aspirante carrega o sonho,
Um velho carrega o fracasso.

É o hilário!

Ele segue e carrega a cruz.

É o calvário.

A miserável carrega a fome,
A burguesa carrega o nome,
A lazarenta carrega as feridas,
A retirante carrega a trouxa,
A prostituta carrega o sexo,
A freira carrega a falta,
A louca carrega a felicidade,
A alcoólatra carrega o poste,
A drogada carrega a viagem.

É o imaginário!

Ele segue e deixa a cruz,

É o calvário.

O executivo carrega a maleta,
O operário carrega a marreta,
O mendigo carrega a sobra,
O lixeiro carrega a sujeira,
O gari carrega o que ficou,
O puxa-saco carrega a inveja,
O patrão carrega o desprezo,
O carregador carrega o peso,
O doente carrega a dor.

É o otário!

Ele segue e troca a cruz,

É o calvário.

A mãe carrega o ventre,
O pai carrega o medo,
O ventre carrega a semente,
O rebento carrega a vida,
A menina carrega a boneca,
O menino carrega a bola,
A jovem carrega o sangue,
O jovem carrega o sêmen
A noiva carrega as flores,
O noivo carrega a intenção,
A esposa carrega a paixão,
O marido carrega a traição,
A traída carrega a decepção,
O infiel carrega o perdão,
A desesperada carrega a arma,
A arma carrega a munição,
A arrependida carrega o crime,
O crime carrega a culpa,
A culpa carrega a pena,
O padre carrega a bíblia,
O morto carrega os pecados,
O coveiro carrega a pá,
A pá carrega a terra,
A terra carrega o corpo,
O corpo carrega seus bichos,
O Éden carrega a luz,
O umbral carrega a escuridão.

É o diário!

Ele segue e queima a cruz,

É o calvário.


O calvário carrega suas cruzes.



quinta-feira, 1 de maio de 2014

Confissões ruborizantes do claustro vermelho - "Cordélia"






Nada se compara as tais memórias daquele claustro, um claustro voluntário, de entrega às submissões. 

Quatro paredes vermelhas da casa que diziam ser da mesma cor, todas elas chegavam de olhos vendados e sonhos vendidos. 

Cada quarto um pecado, um fetiche, um desejo. Pagar para se ter o que não se tem naturalmente com o decorrer do dia a dia. 

Sendo assim, chegou ali, "ela" - dias atrás - Cordélia, nome de flor, talvez um pseudônimo para adentrar a tal casa vermelha e manter o anonimato da integridade moral. 

O suposto desejo de Cordélia era ser amarrada, atada, presa, além de prisioneira assim como todas eram no claustro. Havia especificamente em seu sonho de consumo as cordas também vermelhas, ou talvez faixas que a prendiam, suspendiam-na nas alturas, perto do teto também vermelho. 

Será que ninguém entendia que o que ela queria, era não ser livre, sempre havia sido exageradamente livre, liberta, pelos pais, por todos a sua volta, na tenra infância, na rebelde adolescência, irradiava liberdade. 

Agora queria regras, ditadura, ordens, desejo de obedecer, cumprir, querer não ser mais de todos, apenas de um, exército de um homem só, possível apaixonante torturador, a dor o amor a passar o coração no moedor de carnes. 

Maldita liberdade azul e infinda! 

Agora Cordélia começava a ser feliz, presa e nunca mais poderia correr livre , leve e solta por campos ensolarados cheios de promessas e flores do campo hipócritas e artificiais. 


Como se estivesse presa em uma planilha de Excel, agora tudo seria marcado, ordenado e previsto, certo e pronto, dentro de um quadradinho vermelho de cálculo, fórmula... 

Benditas amarras vermelhas! 

Enquanto divagava sentia suas confissões em mente que lhe ruborizarem a face alva, esboçava um sorriso muito branco que iluminava o quarto... o claustro... a vermelhidão de seu pequeno mundinho rubro.

Logo seria hora de se levantar.Acordar... as cordas... Cordélia... Como? Voltar para a cruel realidade insípida, inodora e incolor...





sábado, 15 de março de 2014

"A Volta da Mulher Livro"




A mão aberta e espalmada acariciava mais uma vez aquele dorso,
aquele tronco, aquela pele anunciada em letras douradas. Esperta
e com capas abertas como um paraquedas para amortecer a
própria. Mas a mão do Leitor de nada quis saber e enfiou-a, arquivando-
a como que para sempre na estante.

– Que petulância, que despautério! – pensava a Mulher Livro.

Depois que o tal leitor havia gozado, graças ao seu corpo e conteúdo,
numa relação de alguns dias, já que o leitor era um tanto
lento, e considerando que, seu conteúdo era um tanto farto, resultando
assim em uma semana de romance interno e externo.

Estando assim satisfeito, lhe dava as costas, como algo vencido
e superado em sua medíocre vida de leitor faminto. Mais um, mais
uma, e partia para a outra prateleira a usufruir mais um corpo, para
se deleitar de outra ostra literária.

– Não se abram! Não se deixem levar! Não se entreguem! – exclamava
a Mulher Livro ao ver-se descaradamente sendo trocada
por outra, ou por outro.

– Quanta promiscuidade! – Mesmo em meio à multidão da estante,
sentia-se só e pensava lá com suas páginas: “Um dia ele quis
me levar para sua casa, sem poder impedir, fui. Sei que o que o
atraiu foi minha capa, é a primeira coisa que atrai alguém, em segundo
lugar foi o título...”

– Incrível como os ditos seres humanos ainda se prendem tanto,
e agem tanto, movidos por títulos!

Chegando em seu lar, ele desnudava-me, acariciava-me página
a página com suas mãos de pianista, tocando-me como um
instrumento raro. Conheceu-me totalmente por dentro, primeiro
desfrutando de minha contracapa, degustando minha introdução,
deliciando-se com minhas linhas e entrelinhas, devorando-me em
capítulos, fartando-se com brilho nos olhos a cada revelação, depois
chegou comigo ao prazer final, salivando com tal ambrosia
literária, com olhar malicioso e saciado.

Não abriria-me mais com suas mãos, não colocaria mais seu
marcador de couro dentro de mim, dividindo-me em partes. Então
segurou-me fechada, e assim descansei um bocado de tempo,
quase adormecendo em repouso sobre seu sexo intumescido. Doce
ilusão momentânea, não me abriu mais, não me tocou, apenas arquivou-
me como tantas outras, como tantos outros.

Sendo assim, seria tudo ou nada, atirei-me quando ele passava,
com reflexo ligeiro, este amparou-me com palma macia, não resistiu,
abriu-me, vociferou uma de minhas partes mais prazerosas,
não resistindo, manteve-me aberta, a devorar-me novamente.

Assim, levou-me novamente para sua cama, sorrindo. Era só
isso que eu queria, mais uma vez. Havia valido a pena esperar, já
havia se passado cinquenta anos, até atirar-me à sua frente após
decidir o arriscado suicídio com final feliz.

– A volta da Mulher Livro!

Não sabia quanto duraria, mas quem sabe? Poderia tornar-se
seu livro de cabeceira definitivo, e deitado sobre o criado-mudo e
sob o despertador calado, eterno triângulo amoroso adormecido
ao lado do amado leitor envelhecido.





segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

"Meu Rei!"




Dispa-te das vestes!
Oh! Rainha das pestes!
És princesa, e o príncipe que destes...
A noiva esquecida
A fera adormecida
A bela entorpecida
A santa insana
A virgem imaculada
A flor prostituída
A fada enfurecida
Toda fodida
Princesa esquecida
A coroa caída
O trono manchado de sangue
Daqueles teus primeiros dias
És sacerdotisa
Musa/Cavaleiro/Noiva/Herói/Rainha
Sem armadura
Com envergadura
Sem vergonha dura!
É o cavalo branco dos teus doces sonhos
É a Besta/Fera coroada de hera
Vem de Avalon? ou do Reino das Águas Claras?
 Talvez um tanto turvas
Dispa-te das vestes e revele tuas cruas curvas 
Em leito real e em leite real
De mal e de mel
Espere pela abóbora carruagem de cristal 
e seus ratinhos a puxar
Beijo o príncipe 
Pra virar sapo
e... Despacho!





quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

“Cemitério de Borboletas”





Em algum lugar não muito distante daqui...

Havia um vasto cemitério de borboletas, e cada vez mais seu território se estendia, pois havia uma sepultura para cada borboleta que falecia. O hábito de enterrar borboletas com todos os merecimentos de “um alguém” de mérito se devia a cultura do lugar, a tradição que se passava de pai pra filho e assim por diante. Alguns questionavam, outros acreditavam, outros apenas obedeciam com medo da dúvida e do desrespeito.

Ali naquela Terra, as borboletas eram seres amados e encantados, além de encantadores, pois não faziam mal a ninguém, voavam, eram leves e coloridos. Reza a lenda que eram seres divinos que vinham para nos assistir, nos vigiar e nos proteger.

Logo, céticos, incrédulos e radicais, após inúmeras reuniões iniciaram um processo teórico a ser difundido velozmente, onde se defendia o desperdício de dinheiro e de terras, sem falar na pompa e no tempo gasto com os tais pequenos seres alados de cores.

Em pouco tempo se fazia um plebiscito pra se saber a opinião da maioria e o NÃO às borboletas vencia. Os mais velhos eram os mais difíceis de se convencer a perda do ritual, não necessariamente na fé. 

Aos poucos com o passar dos anos os rebeldes conquistaram uma a uma de suas idealizações, foram reduzindo os rituais de sepultamento até zero. Os cânticos de louvor, os livros, as histórias, que as cercavam, verdadeiras ou lendas que encantavam adultos e crianças. Com o passar do tempo eliminaram também os cemitérios para as borboletas e tal desperdício de terra com as pequeninas.

O tempo voava com asas e aos poucos o povo fez grandes conquistas, a economia prosperou, assim como a tecnologia se desenvolveu galopantemente, estavam mais centrados, mais focados "no bem" e "nos bens" daquele pequeno país.

Tão focados, aos poucos acharam de bom tom eliminar as flores que atraiam as borboletas, alguns grupos de extermínio também baniram aos poucos as borboletas, pois para nada serviam além de iludirem com asas e cores, prejudicando assim o desenvolvimento do progresso e do futuro econômico por fúteis distrações.

Se seguiu o tempo, com os jardins cimentados, soterrados, pessoas bem melhores de vida, um mundo cinza e sem cores, mas pessoas evoluídas, sem alegrias, sem ilusões, sem crenças, sem arte, porém com máquinas, muitas delas. Tudo aquilo fazia parte do passado e havia voado pra bem longe. 

O índice de depressão aumentava juntamente com o de suicídio e o de violência. Os relacionamentos não duravam mais e pais abandonavam filhos e filhos assassinavam país.

Um dia, a única menina que se sabe que ainda acreditava nas borboletas - A Encantadora de Borboletas - que conversava com elas, criava muitas delas em um quarto vazio, morreu porque um carro de design arrojado e equipamentos de ultima geração precisou passar onde ela estava. 

Do velho tumulo da menina pobre cheio de trincas nasceu flor e uma primeira borboleta colorida imigrante surgiu... assim parecia que as cores começavam a brotar borrando e se espalhando pelo planetinha cinzento...

Algumas pessoas largavam seus aparelhos pelo simples prazer de sentir o vento, outras tiravam as cores escondidas em seus armários, outras revelavam seus jardins ocultos e até suas proibidas criações de borboletas que a ditadura plumbea condenava e que agora começavam a ser libertadas, mas sabiam que não precisavam de cemitérios... e usavam menos farmácias, menos hospitais de uma sociedade doente.



A lenda saltava dos livros, batendo as asas, pulsando, viva... de cores e seguia pintando o tempo, enquanto a encantadora de borboletas assistia à tudo sobrevoando a nova cidade que começava a borboletear...