segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

"meu querido diário..." - 1a. anotação da profaninha...




  ...escrevo com letras minúsculas, porque não sei bem ao certo, qual meu tamanho ou altura, de meu corpo ou felicidade, minha cor da pele, meu cheiro, a espessura das partes de meu corpo, o peso de meus desejos, não sei minha idade, nem ao menos onde estou, como são meus cabelos, meus olhos, meu sexo, sou menina ou mulher, pênis ou vagina, virgem ou promíscua, apenas existo e sei que estou sobre minhas duas pernas, espero por algo entre elas, úmidas, sentidas, tremem, por isso sei que não sou cadela, porque também escrevo, cadelas não escrevem, pelo menos, pelo que sei, mas não sei se sou menos racional que elas, enfim, aqui quero escrever desordenadamente meus dias que já foram, meus dias que virão, delicados ou sórdidos, invernos e verões, um dia descobrirão comigo quem sou e tudo o que faço ou o que já fiz, se estou viva ou se morri, essa é a minha primeira página, meu primeiro orgasmo literário do - diário proibido de josephinne fly...

(...me cansei, agora dormirei com os anjos...)

ass. josephinne fly



terça-feira, 13 de dezembro de 2011

"Pra entrar cor"



Um dia...
Achei que faltava um pouco de cor...
Então...



Comprei tintura pra colorir os cabelos opacos
Pintei as paredes pálidas
Tingi as roupas cinzentas
Dissolvi suco vagabundo multicor na água cristalina
Plantei flores no jardim
Adquiri um par de lentes de contato
Esmalte nas unhas quebradiças
Maquiagem nas maçãs invernais da face



Pintei uma tela com certa paisagem psicodélica
Pinto... tinjo... 
um amor ausente
pra que ele esquente
sente e fique
com licença, 
ta chegando gente...

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

"Vamos abrir as janelas?"

 


Vamos...
Vamos abrir...
Vamos abrir as janelas...

Hoje acordei e qual a primeira coisa que fiz?
Abri as janelas
Não acreditei no que vi
Não falo das janelas do quarto e sim das janelas d’alma

Vamos...
Vamos abrir...
Vamos abrir as janelas...
Vamos abrir as janelas d’alma!

Num playground, vi crianças brincando de vídeo game
Seus pais descansavam tranqüilos, pois seus filhos estavam quase imóveis
No metrô as portas se abriam no mesmo instante
E todos saiam para uma mesma direção
Um mesmo olhar e entravam em caixas de papelão
 


Vamos...
Vamos abrir...
Vamos abrir as janelas...
Vamos abrir as janelas d’alma?

Manequins uniformizados marchavam de maneira apressada
Cada um sem expressão e cabeça pelada
Na cantina italiana todos se lambuzavam em molhos e peitos a parmeggiana
Na churrascaria o pedido que mais se queria era a preferência nacional
Bundas tostadas com marcas de biquíni fio dental


Por favor...


Vamos...
Vamos abrir...
Vamos abrir as janelas...
Vamos abrir as janelas d’alma!


Não falo das janelas da sala, e sim das janelas d’alma...


Vamos?



sábado, 12 de novembro de 2011

"A Volta da Mulher/da Vida"




               Retornou riscando as pontas dos saltos pontiagudos dos sapatos altos no calor do asfalto. Faíscas chispavam acendendo o chão em estrelinhas vermelhas, tanto quanto os olhos dos ratos nos bueiros boêmios bêbados de tão fétidos. Seu vestido vermelho reluzia ainda mais que a retina dos roedores, as lantejoulas eram vomitadas dependuradas por fios desgastados, suicidas elas ameaçavam saltarem dos velhos fios babões. Seu vestido parecia escamas da sereia estuprada e mal aproveitada por homens ogros que não souberam saborear nem a mulher em seios, nem o peixe em ceia. Ela tentava andar em linha reta imaginária, peremptória e imprevisível que traçava com seus olhos cansados, sujos do delineador escorrido pelo suor ou pelas lágrimas nostálgicas das esquinas perdidas em suas curvas de vadia. O batom vermelho borrado do sexo oral mal feito e mal pago no beco lúgubre do homem mal lavado. Uma grande bolsa prateada reabastecida de tudo o que uma mulher precisaria durante uma noite até o raiar do dia. O peso fazia com que seu corpo pendesse um tanto para um lado. A pseudo-sereia solitária adentrou o botequim sórdido saboreando a música da “Jukebox” que perambulava na entrada com seu perfume vagabundo que lembrava as flores “dama da noite”, enjoativo, duradouro e persistente. Como num ‘saloon” os bêbados pândegos olharam para ela. Eram ao todo cinco, mais o barrigudo do balcão. Desejaram-na, mas riram do que não poderiam ter, ou apenas achavam, ou apenas temiam do que não conseguiriam dar conta. Ou temiam mesmo que ela pudesse revelar de um por um seus fracassados desempenhos, ou o tamanho de seus pênis. Logo ela debruçou o decote no balcão, e com boca de mesma cor já retocada sorveu sedenta o Campari com gelo e uma fatia de limão a deriva. Quando a música silenciou-se por falta de fichas, as piadas vieram a tona, e cada um se via na obrigação de edificar o vaudeville da vadia. Dado momento todos se contorciam e a contornavam e a abusavam de todas as formas. Rasgaram suas escamas de sereia para lhe devorar a carne ainda tenra.
            - Um último desejo! Peço antes de ser punida por vocês! Fumar um último cigarro!
          Logo os piedosos assentiram, e quando daria o último trago. Ela deu a cada um dos seis, uma bala disparada da arma em punho. Colocou na “Jukebox” uma ficha empoeirada de maquiagem do fundo da bolsa. Após acabar a bebida e mais um cigarro, saiu nua sobre os saltos, pela avenida ao som de “Blue Gardênia”...

(para ver e ouvir "Blue Gardênia" - link abaixo)

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

"Alice no País das Telemaravilhas"





(Este texto foi publicado no ano de 2.006, quando a Rede Globo exibia as novelas e a minissérie que estão abaixo com títulos em fonte caixa alta. Esta crônica fala apenas dos temas das obras na sociedade e não das obras citadas).

Era uma vez uma garota – ou um garoto - muito pobre e que se chamava Alice. De tão pobre não tinha nenhum espelho, tão pouco uma televisão. Eis que em um belo dia acinzentado, após tentar em vão, pedir alguns trocados no semáforo, Alice se deparou com uma vitrine de um famoso magazine. Entre tantos eletrodomésticos tão fascinantes e que nem desconfiava para que serviam, um lhe fez faiscar os olhos, o único aparelho que lhe atraiu sua atenção, foi uma TV. Num momento hipnótico, Alice não se importou com os transeuntes que com tanta pressa e destino certo, quase a levavam, o que importava era a TV que estava ligada. A vitrine tão ampla e de vidro tão cristalino, que de tão limpo espelhava a face esfomeada de Alice, mas esta, não via essa mesma face, via sim seu rosto na telinha, jamais se divertiria admirando seu rosto tão cheio de vontades e desejos que era transmitido por seu reflexo na vitrine, queria só olhar para a imagem transmitida da Vênus Platinada que lhe entorpecia a dura realidade. Como um Narciso contemporâneo, mergulhou dentro do lago da imagem perfeita que queria ver, que queria ser, que queria ter. Chegando à fantástica fábrica de ilusões, não sabia qual ficção lhe seria mais doce, qual personagem lhe seria a mais saborosa, que falsa realidade lhe seria mais verdadeira e suculenta. Logo se viu perdida num jardim tão botânico com várias portas e Alice hesitou qual delas deveria abrir. Corria por um labirinto cheio de estrelas. Algumas tão brilhantes e reluzentes outras tão apagadinhas, algumas tão vivas e outras tão artificiais. Não teria tempo a perder, deveria se organizar e começar pela ordem seqüencial. Foi então que se decidiu por abrir a primeira porta de nome:

ALMA GÊMEA – Ficou encantada, era tudo tão belo e tranqüilo, ali todos tinham que encontrar sua cara metade, muito simples, não? Mas como? Se as pessoas tinham medo de: se abrir, de se deixar enganar, de sofrer, de dar o número do telefone e ficar por toda eternidade esperando por tal telefonema que não vem, um telefone que nunca toca, é sempre uma tia chata, um tele-marketing ou um engano. Medo de sair de casa, de abrir a janela, de abrir a porta, de abrir a boca, de abrir o coração, de abrir... Na internet descobriu um novo rumo para encontrar o grande amor, se empolgou, mas logo viu que quem dizia que era alguém, era um outro alguém que não o era e assim por diante, era como namorar o homem invisível. Nunca se sabia quem estava do outro lado lhe dizendo que a desejava. Difícil! Alma gêmea realmente só poderia ter funcionado no passado, porque em 2006 estava muito difícil, nada era mais um mar de rosas. Logo pensou – Que merda floreada é essa? Sem querer perder tempo saiu pela porta que entrou e assim penetrou na que vinha em seqüência, as letras anunciavam:

BANG BANG – Como saber o que significava aquilo, teria que experimentar para distinguir, a que fosse eleita a melhor, seria a que iria ficar. Ali nada era inocente como no local anterior, o tempo todo, balas perdidas se perdiam entre pessoas perdidas. Um plebiscito dizia que todos poderiam ter armas em casa. Sim, todos! Todos os xerifes, todos os mocinhos e todos os bandidos. Logo após explicarem o que era plebiscito, Alice perguntou - Se os bandidos têm armas e os xerifes também, para que os mocinhos precisam ter armas? Logo um paciente caubói lhe esclareceu -Tem xerife que é bandido e tem bandido que é muito bonzinho para seu povo, também tem mocinho bandido e bandido mocinho. Alice não entendeu, achou tudo muito confuso e o paciente caubói explicou de outra maneira – É muito importante ter uma arma. Hoje em dia tem filha mandando o namorado matar os pais a pauladas, uma arma embaixo do colchão é imprescindível. Tem juiz matando segurança de supermercado, arma nas compras é fundamental. Tem mamãe afogando o próprio bebê no rio, uma arma dentro da fralda é vital. Tem estagiária eliminando a concorrente no trabalho, uma arma na gaveta de sua mesa é primordial. Entendeu? Antes que o caubói acabasse a frase, Alice já corria para fora daquele lugar sangrento, enquanto anunciavam mais uma chacina, nunca mais iria querer estar ali naquele mundo de Marlboro. Logo pensou – Que merda poeirenta é essa? Batendo a porta com raiva, depositou os olhos reluzentes na porta seguinte, o título logo a fascinou e lhe fez correr para dentro:

BELÍSSIMA – Assim que chegou, uma bela recepcionista ex- top model lhe informou. – Imagem é tudo, sede não é porra nenhuma, querididinha! Mesmo porque, para beber bem, tem que estar bela, que é para alguém lhe pagar a bebida. Quem sabe assim, alguém lhe pagar um jantar, um carro importado, um apart-hotel, uma viagem para Paris, um... Enquanto Alice se distanciava, ainda era possível ouvir a recepcionista que disparava a falar. Era um lugar excêntrico onde todos eram belíssimos, homens, mulheres, jovens, velhos, carros, casas, avenidas, cães, bastava querer. Mais do que depressa, Alice pensou – é aqui onde eu quero morrer, caraca! – mas logo algumas informações lhe causaram dúvida. Precisaria alisar o cabelo diariamente, fazer uma série de exercícios em aparelhos, diariamente, não poderia comer nada que era gostoso, pois tudo o que era bom engordava, era proibido, ou ilegal. Do nada, apareceram homens de branco que lhe colocaram numa balança e logo após alguns números torceram o nariz, lhe arrancaram a roupa e com canetas rabiscaram seu rosto e seu corpo, dizendo o que iriam tirar e o que iriam por, para que ficasse bela. Logo pensou... – Que bela merda de vida é essa? – Em passos desanimados escapou de fininho.

JK – Logo ao entrar na última porta, depositou todas as suas esperanças, o que seria aquela sigla misteriosa e desconhecida? Aquele local era um verdadeiro cenário apoteótico, parecia um verdadeiro cenário cinematográfico. Todos que habitavam ali comentavam sobre os escândalos que envolviam seus governantes. Aquela terra árida, daquela cidade que havia sido idealizada politicamente pelo dono daquela sigla e que agora era ressuscitado como marketing, ops, como mártir, para salvar a pátria desmoralizada pela ultima carta que havia na manga suada e surrada daquele país desacreditado. O novo mártir era carregado pelo povo e discursava no palácio do governo, entre condecorações e homenagens, uma chuva torrencial assustava a todos. Alice tentou conseguir uma chance de comer alguma coisa naquela farta recepção de boas vindas ao novo velho líder, mas logo os seguranças a jogaram rampa abaixo e ela rolou na terra seca que começava a virar lama. Momentos depois, a chuva se revelou apocalíptica, acabando com a festa de todos. A água subia e a construção moderna em linhas retas fazia lembrar uma arca de concreto com um Noé de barba grisalha que esbravejava em seu último e infeliz discurso. Logo o prédio submergiu. O mar de lama subia e Alice tentava sobreviver no alto de um prédio, mas logo a lama chegou em seu queixo e seu último balbuciar foi um funk funesto em ritmo de marcha fúnebre – Tô ficando atoladinha! Tô ficando atoladinha! Tô ficando atoladinha! Num sobressalto Alice saltou do sonho/sono e se viu ali sentada na calçada, nenhuma daquelas portas haviam sido abertas, como nenhuma outra em sua medíocre vida. Percebeu que aquele sonho não vinha de dentro da telinha, vinha sim de dentro da latinha que segurava, da pedra que havia fumado, com sua resistência já comprometida e sua mente já tão desistida de tudo e de todos. Não houve mais forças e se entregou...

A VIAGEM, a última porta que desconhecia, etérea e de entrega. Pensou antes da partida - quando dizem que um filme de sua vida passa bem rápido... NÃO VALE A PENA VER DE NOVO.


sexta-feira, 21 de outubro de 2011

"Impossível"




os lixeiros passavam atravessando a noite,

a noite que contornava a praça,

tentavam recolher tudo o que havia de putrefato;

é fato a praça agonizava tentando ainda ser praça;

dois amigos tentavam curar o nosso país,

eu almejava muito pouco...

apenas viver ainda um grande amor,

enquanto me houvesse vida;

o amor ainda vivia em algum lugar talvez distante dali,

havia a possibilidade que os lixeiros o tivessem levado.

a praça adormecia...

os amigos se despediam... 


não dormi. 


e o país seguiu entre putrefações...





terça-feira, 4 de outubro de 2011

"A Volta da Mulher/Estrada"




               Sempre que viajava de ônibus escolhia as poltronas dos fundos, eram sempre as menos desejadas pelos outros passageiros. Assim podia garantir que ninguém se sentaria ao seu lado. Raríssimas vezes o ônibus lotava, e era obrigada a ter um indesejável acompanhante. Na estrada sempre dormia esparramada, as imagens velozes da janela, árvores em animação lhe relaxavam a mente, um bom sonífero. A mala que nunca era muito farta sempre acima da poltrona, nunca guardada lá embaixo com as outras. Sempre achava que alguém poderia levar o que era seu, o que daria o maior trabalho, repor todos seus pertences, não pelo valor, mas pela particularidade deles. Certa noite o ônibus chegou em sua cidade e como sempre, despertava como num passe de mágica e então desceu, seguiu para o terminal e pegou o outro ônibus até sua casa. Sentiu falta de algo, tarde demais, sua mala havia ficado lá. Nem sempre viajava com mala, às vezes voltava no mesmo dia, dependia da quantidade de trabalho. O que fazer? Sua vontade era de descer ali. Mas de nada adiantaria, ele já teria partido. No dia seguinte ligou no “Achados e Perdidos”, nada havia sido encontrado naquele horário e com aquela descrição. Isso nunca havia acontecido em anos de viagens.  O mais cruel era que suas roupas preferidas estavam ali por coincidência, seu secador de cabelos, seu par de sapatos predileto, seu melhor perfume. O que faria? Saiu no dia seguinte após desligar o telefone. Saiu com a roupa mais simples, os cabelos ao natural, apenas um desodorante, e sem saltos altos, saiu desprovida de tudo, sentiu que tinha feito uma doação involuntária providenciada pelo cosmo. A única palavra que lhe consolava agora era -  “desapego”. Pensava que agora sua mala poderia estar em algum outro planeta, peças sendo disputadas a tapas por seres verdes de duas cabeças. Seguiria agora, como a estrada que vai e volta, nua e negra, por onde todos passam sem perceberem, sem ficarem, sem significados...


Paisagens por segundo. 

Coração volátil.

Janelas abertas.

Brisa...


quarta-feira, 28 de setembro de 2011

"Algodão Doce"


(texto criado há alguns anos no poeteria em antigo endereço e respostado)


Nascem cores em janeiros
Colorindo ao poucos
Quase que por inteiro
Antes que venha
O carnavalesco fevereiro
Beiro beiro
Esse mês
Chuva de cheiro
Sinto minto
Explodo e beijo
Terra molhada
Amassos de pipoca
Mordidas de maçã do amor/tesão
Quero quero
Nuvens cor de rosa de doce algodão
A virgenzinha nua alegrinha
Em saborosas tardes de solidão
Acaricia o corpo na nuvem fofa
Fazendo desfeita
Para os anjinhos que não podem bater punheta
Quero quero
Doces beijinhos
Que veem voando com os cantos dos passarinhos
A virgenzinha goza sem carinhos
Em orgasmos múltiplos
Causando espasmos no céu
Provocando o crepúsculo cor de rosa
Longe... longe...
Cai assim a tarde formosa
Agora sim, tudo pode ser colorido




quarta-feira, 31 de agosto de 2011

"A Volta da Mulher/Papel"




Mais uma vez, desistir...


Uma linha tênue separava o voltar, do seguir em frente. Mergulhar e se afogar em mais uma reprise de engodo. Com ideias amargas, a boca azeda, pensou bem e agiu rapidamente com doçura. Desistiu. Talvez o desistir tivesse esse aroma desagradável de covardia, para outros fosse apenas a autenticidade de assumir seus atos, pensamentos, decisões. Meu Deus! O que faria agora? Começaria tudo novamente? Do princípio? Tantas perguntas se fazia, e ao mesmo tempo, todas voavam pela janela do ônibus. Seus ombros comprimidos entre os outros tantos ombros no último banco inteiriço do fundo. Teria que voltar para casa e dizer... dizer o quê? Dizer nada. Por que é que sempre se tem que dizer alguma coisa - pensou. Sábio é o silêncio que diz tanta coisa ao mesmo tempo sem um ínfimo ruído. Hesitou em dar o sinal, mas mudou de ideia e acenou com as pálpebras para a janela do seu quarto que se afastava, conforme o ônibus se distanciava. Agora teria que ir pra algum lugar. Porém isso não seria problema, o que não falta são lugares neste mundo. Pontos depois, pessoas desceram, decidiu então que aquela praça seria um bom lugar para aportar. Desceu os degraus e colocou os pés sobre a calçada. Seguiu sem saber para onde. Tinha os pés no chão, mas não metaforicamente. Pairava no ar, como folha de papel. Pronta pra ser apanhada, em branco, esperando por um novo texto, ou um desenho. Tinha receio que andava em círculos dentro de uma mesma anedota tosca, mas precisava seguir em frente. Mais uma vez voltava de lugar algum e seguia para lugar nenhum, esperando por um traço que lhe desse outro rumo. Uma volta, uma nova história, uma nova mulher... folha... 


Quando começou a trovejar, se recolheu com seu vestido branco rodado, embaixo de um toldo para que não se desmanchasse com a chuva vindoura.


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

“As Vidas Normais de Wong Kar-Wai”


(na foto acima - cena do filme com Judge Law e Norah Jones)

(texto publicado pela primeira vez no lançamento do filme)


"My Blueberry Nights" ou "Um Beijo Roubado" - Tortas saborosas, olhares tristes, perdidos numa cidade escura, quase abandonada, trens passando, brigas ao fundo, letreiros em neón como sempre. Tudo passa muito rápido, mas existe sempre alguém ali estacionado no tempo, ou melhor, em um balcão do tempo, de um bar. Vidas sempre normais, onde muitas vezes deixamos de ser protagonistas de nossas próprias vidas, para que se dê lugar a vida dos outros. "Cinema Noir" contemporâneo. Olhares que encontram, lágrimas perdidas, ruas, desencontros, pessoas comuns. Olhos que não querem dizer, bocas que não querem pedir. Idas e vindas. Tudo retorna ao  início. Beijos não dados, beijos roubados. Vidas que se cruzam, pessoas se conhecem casualmente. Momentos felizes e calmaria saem do caos e da infelicidade. Desfechos corriqueiros como na vida real. Quase felizes. Mesmo porque, na vida real não existe fim. Pura poesia do concreto, das estradas velozes e das esquinas estáticas. Imagens que dizem mais que mil palavras. Isto é mais ou menos, Wong Kar-Wai - no cinema/crônica do dia a dia...


 (na foto acima: Wong Kar-Wai)

para saber mais sobre o diretor e seus filmes...



terça-feira, 19 de julho de 2011

"A Volta da Mulher/Cortina"




cor.ti.na
s. f. 1. Peça de pano suspensa para adornar ou resguardar janela ou outra coisa. 2. Vedação.


Um dia ela se foi até o fim da linha...
Um dia ela voltou e parou até encontrar a boca da outra igual a si.

Elas escondem as janelas para que você não veja e não saiba o que realmente acontece no mundo externo. Não sofra! Desta maneira você somente terá olhos para "elas", que correm de um lado para o outro, aparentemente submissas em vestes amplas e esvoaçantes que ondulam diante da brisa que nunca entra.
Elas escondem os terceiros para que os segundos e os primeiros não saibam que há mais gente por ali.
Em tecidos longos de recato, que cobrem a paisagem imoral e promíscua de vales e morrinhos quentes e úmidos, vivem assim, as mulheres cortina, que sentem passeios de perplexos turistas em seus ambientes internos e bem decorados.
Às vezes elas se esparramam lânguidas, estando pela sala de estar, ora cobrindo a mesa pela sala de jantar, se perdem em devaneios nos quartos de dormir, se despem no quarto de vestir, vestem camas como colchas e lençóis.
Elas, pálidas e pacientes, mentem, cobrem e recobrem, escondem e descobrem, deixando impune o que quiserem, disparam peremptoriamente da direita para a esquerda e vice-versa, suspensas em argolas, desesperação em seus fálicos varões. Recordações saudosas dos antigos trilhos.
Os olhos da noite tentam invadir, passam incólumes pelas mulheres que tornam melhor a limitação das quatro paredes do que chamam lar, pensando no seu melhor bem estar, no seu servir. No seu pesar, do leve cortinar.


Mulheres de infatigável abrir...


Cortinas de desvelado fechar...

cor.ti.nar
v. Tr. dir. 1. Armar com cortina. 2. Encobrir.



sábado, 9 de julho de 2011

"A Volta da Mulher/Sombra"




            Um dia ela voltou pra ver o que não via há muito tempo, voltou para ver e não ser vista. Ver como tudo ficou. Tudo e todos a sua volta sem necessariamnete estarem. Poder ver das sombras, todos que estavam na pseudo-luz. Retirou da bagagem de mão seus artefatos sombrios da memória. Rodeou e sombreou pelas bordas. Todos riam e sorriam idiotas em frente a TV. Ela, apenas um vulto na janela, por trás das cortinas, vidros. O cão latiu alucinadamente e ela se esvaiu na escuridão desempenhando seu papel de apenas ser sombra, vulto, memória, passado, noite, trevas, vestígio de ser... Se recolheu para dentro do nada do que poderiam vir a supor. Seus saltos altos e pontiagudos nem eram tão pontiagudos assim quando comparados às ilusões perdidas e longinquas. Agora poderia ser a cena de um filme noir, um quadro antigo de museu, um manequim numa vitrine de loja decadente. Os morcegos voavam bem baixo, atrevidos rodeando a luz rente ao asfalto, sentiu vontade de acariciá-los de leve, caso fosse possível, mas era tão impossível quanto retornar àquela casa ou apagar de vez o que passou. Deu sinal e entrou em um táxi coincidentemente preto enquanto ligava seu MP3. Ao som das vozes de Bjork e de Antony Hegarty cantando "Dull Flame of Desire", olhou pra frente, mas não resistiu. Assim como a mulher de Lot, deu uma olhadela para trás, correndo o risco de tornar-se estátua de sal para sempre. Em frente a casa que espionara a pouco, “ele” assistia sua nova partida da calçada, com o rosto oculto pela máscara de sombras dos galhos secos das árvores. A linha que dividia o asfalto, a dividia em duas, o ontem e o hoje, ou o hoje e o amanhã, a luz e a escuridão. Um dia havia partido sombra na calada da noite. Olhou pra frente, já que o motorista indagava qual o seria o seu destino. Disse por dentro em voz alta:
            
              - Quem é que sabe o destino?




segunda-feira, 20 de junho de 2011

"Café... Preto"




Ao fim do dia, ela decidiu ir tomar um café... os guizos do umbrau da porta logo anunciaram que ela adentrava em seus saltos altos, finos e pretos...

A mulher branca sentou-se e cruzou as pernas por fora da saia, desnudando a brancura das coxas e panturrilhas sob a saia preta.
O homem preto sorriu com dentes muito brancos e acomodou a mão grande, aberta e preta sobre a toalha branca, dedilhando.
A mulher ficou ruborizada ao sentir-se despida por aquele sorriso, imaginando aquelas mãos pretas desbravando suas curvas de carne branca. De nervoso cruzou e descruzou mais algumas vezes suas alvas pernas - alvo.
O homem preto continuava encantado e hipnotizado a distância, quando pediu ao balconista – Por favor, um café preto! No copo - confirmou, logo depois.
A mulher branca riu por dentro, da redundância,  de decepção pediu em seguida um café expresso, - Puro! – precisou reafirmar o que já achava óbvio no pedido.
Logo chegou a decepção da mulher branca, uma mulata que o homem preto aguardava. Ele ficava tentando dar atenção as duas, um olho no leite, outro na gata parda.
Então, o homem preto precisou se acalmar, pois se soubesse que encontraria aquela mulher branca ali, nunca teria marcado o encontro com a outra. Estava fascinado pela branca, mas não poderia ser grosseiro com a mulata. Então mergulhou os lábios rosados por dentro e pretos por fora no leite branco espumante, sorvendo tudo como se sorvesse a sonhada pele da mulher branca, daquela tarde que surgia tardiamente em sua vida.
A mulher branca em meio às chamas do peito, não tinha mais o que fazer ali, então partiu sentindo que deixava algo pra trás. 
A noite ela dormia acordada ao lado de seu marido branco.
O homem preto depois de duas infelizes tentativas de saciar o desejo, e por que não? Encontrar  a mulher de sua vida... Tentava inutilmente dormir ao lado da mulher preta cor de grãos de café.
Naquela noite, em cada lado da cidade o homem preto e a mulher branca sonharam em preto e branco. Ele nela. Ela nele.
Pela manhã branca...
O homem preto pensou na mulher branca, em frente ao espelhou se empolgou, se empolgou... um exato minuto depois, derramou assim o líquido branco, banhou-se, perfumou-se e vestiu seu uniforme branco e foi trabalhar.
A mulher branca vestiu seu uniforme preto de todos os dias cinzentos, mas desta vez tinha um propósito mais nobre - enterrar o marido.

Ao fim do dia, ela decidiu ir tomar um café... sentou-se ao balcão e pediu – por favor, um café... preto! Sentiu o líquido quente e saboroso ser sorvido entre seus lábios acompanhado do aroma que envolvia todo o ambiente.

Instantes depois, porta se abria denunciada pelo tilintar dos guizos suspensos no umbrau, sapatos grandes largos e brancos adentravam...





sábado, 11 de junho de 2011

"sob toldos e marquises"




Dia desses
Tarde dessas
Chovia incessantemente
Porém assim garoa
Minhas ideias insanas não paravam de gotejar
Inquietude respingava
Chuvisco irrequieto
Então sai por aí
Sem guarda-chuva
Pois queria caminhar livre
De pesos ou encargos
Nada queria levar comigo
Por isso caminhei sob toldos e marquises
Estamos sempre procurando algo pra nos proteger. 




domingo, 29 de maio de 2011

"um cacto para você..."




um cacto para você...
ser tão seco

um cacto para você...
que tão pouco tempo tem de regar

um cacto para você...
arisco ser cheio de espinhos

um cacto para você...
que nunca lembra de nada molhar

um cacto para você...
ser árido simpático e distante

um cacto para você...
quem sabe ter algo vivo perto de você

um cacto para você...
sentar em cima e quem sabe assim...
descobrir se é capaz der sentir alguma coisa por algo
ou por alguém inanimado, ou não.

um cacto para você...




sábado, 14 de maio de 2011

Trilogia - "Como sobreviver a cerimônia do Oscar?"


(A Acirrada e Interminável Disputa pelo Homenzinho Dourado)

A pergunta que não quer calar! – parte I

Nos intervalos durante a premiação da tão cobiçada estatueta, como é que ficam as necessidades fisiológicas e tão básicas dos convidados?

Uma simples ida ao toilette – banheiro, WC, casinha, fossa, lavabo, sanitário, etc – fica impossível de se imaginar, no intervalo, várias celebridades correndo, se acotovelando e atropelando, umas as outras na disputa de quem vai entrar na cobiçada cabine “Em Busca da Felicidade” – E dizer - Ufa! Que alivio! Isso tudo lá fora, é lógico, num descampado com vários banheiros químicos – famosos banherinhos de plástico, muito comuns em shows e eventos populares.

Sem falar na dificuldade feminina na hora de correr com aquelas caudas arrastando na grama úmida e sutilmente lamacenta. Você passa em frente e já deduz que quem vai sair lá de dentro é a Penélope Cruz. Celebridades sentadas em seu bom trono sentindo-se “A Rainha”. Devido a ponta da cauda para fora. Cruzes! Eu defendo a tese de que existem penicos embutidos nos assentos, ou sondas embutidas, talvez justifique vestidos tão longos e volumosos ou calças folgadas.

Com que roupa eu vou? Mais difícil ainda, é imaginar alguns modelitos que desfilaram pela badaladíssima premiação,onde mais suada que a disputa pelo homenzinho dourado, é entrar nos respectivos modelitos, ou então sair deles, alguns são tão justos, ou com vários tecidos envoltos, outros tão transpassados, provavelmente colocados no corpo da célebre pop star com a ajuda de amigos, parentes e empregados, geralmente seguindo um manual do Stylist. Ellen DeGeneres nem pestanejou, vestiu logo um terninho, para macho nenhum botar defeito. Parecia que vestiu o terno do tio que canta bingo na igreja de domingo. Nada demais perto da Björk que a Oscars atrás foi com um vestido cisne e com direito a botar um ovo na entrada.

A pergunta que não quer calar! – parte II

Foda-se a dieta! - Imagine o sofrimento que deve ser! Ficar durante toda aquela reluzente e glamourosa cerimônia sem um petisco! Sem falar nos fumantes estressados com balinhas ou chicletes que só devem ser usados na hora do intervalo e com muita discrição devem ser colados embaixo do assento logo depois.
Se joga!!! - Tudo bem que para algumas estrelas, isso já é costume há meses para poderem mergulhar de cima do guarda-roupa e cai dentro do vestido oferecido por seu estilista preferido. Mas e Jack Nicholson, por exemplo, não estava com cara e nem com silhueta de quem estava fazendo dieta e ainda sentado logo na frente, não podia dar nenhuma escapadinha.
Alguém viu um pão com mortadela por aí? - As câmeras mostram de cima, numa visão geral mostram todo o espaço visto do palco, passam pelo corredor, mas e as laterais, por que não mostram as laterais? Será que é ali que fica o self-service? Sim variedades da Gastronomia Mundial! Pensando bem, não daria certo, já pensou Leonardo Di Caprio sorrindo para a câmera e revelando aqueles denunciadores, falo de ”Os Infiltrados” fiapos de frango no canino esquerdo, referentes àquela tão aguardada coxinha dourada. Como seria Nicole Kidman sorrindo para a câmera e mostrando para o mundo sua boca suja de molho bolonhesa daquela rápida lasanha que é ainda mais realçado pelo seu modelito, deste ano, catchup com laço para presente.

Moral da história – Não é fácil essa vida de celebridade, o melhor é assistir em casa pela TV, esparramado no sofá, luz apagada, sem gastar nem se estressar, na hora dos musicais chatos, da tempo de ir ao banheiro sossegado e na volta ainda dar uma passada pela geladeira. O anonimato tem seu conforto.




sexta-feira, 13 de maio de 2011

Trilogia - "O que fazer com um Oscar?" (6 Super dicas)



 Você queria tanto um e agora não sabe onde coloca?

- 6 Super dicas para facilitar a sua vida!

Este informativo não trata de como agir para conseguir a tal almejada estatueta e sim o que fazer com ela depois. Vamos lá! Não desanime achando que vai ter que enfurnar seu homenzinho dourado nas trevas de seu guarda-roupa, uma dessas criativas opções deve ter sido feita especialmente para você!

1 – Se você ainda insiste em manter aquele pingüim em cima da geladeira, que já foi sinônimo e atestado de pobreza, mas depois de um tempo voltou com força total e virou moda nas revistas de decoração, troque agora! Porque já não é mais moda, não é mais brega, não é mais nada. Ponha o majestoso “Seu Oscar” sobre sua Brastemp, mesmo que ela não seja assim uma Brastemp. Super contemporâneo. 

2 – Aquele seu abajur que foi comprado na feira de artesanato, não está com nada, mas com a nova estatueta você pode adaptá-la transformando a em uma luminária super fashion, naquele belo homenzinho dourado, você adapta a base para a lâmpada, depois encaixa a cupula em cima dos ombrinhos dele, vai ficar muito arrojado, muito design. Aproveite o tom dourado e com uma tinta da mesma cor, saia dando pinceladas a esmo nos móveis dando um efeito pátina bem “combinandinho”.

3 – Você tem um aquário com peixinhos, porém sem vida, só algumas pedras e umas plantinhas chinfrins. Está achando tudo muito sem graça? Não hesite, faça exatamente o que está pensando, deixe o Oscar submerso, os peixinhos vão te agradecer, vão adorar a nova atração e quem sabe se você não agarra mais uma estatueta, já que segundo os antigos, deixar a estatueta (imagem) do Santo Antonio submerso faz arrumar marido. Boa sorte.

4 – Sua estante está abarrotada de livros, todos espremidos na vertical? Cheia de enciclopédias da saudosa infância? Deixe disso! Alivie a pobre coitada da estante, faça doações, deixe somente as capas mais bonitas, não importa se são bons, vale lembrar que deve dar preferência para asa capas que mais combinam com seu tapete e suas almofadas. Coloque alguns livros na horizontal, sim deitadinhos e com o prestigiado premio em cima olhando para o horizonte. Muito clean.

5 – Você é um daqueles que é louco por nozes? – favor reparar que é nozes com “Z” – se é o seu caso, seu problema está solucionado, nunca mais você vai passar o Natal sem saborear aquela coisa sem graça, com gosto de papelão ou de batente, sei lá. Sim, isso mesmo, você pode usar seu belo e dourado quebrador de nozes em casa, para não esquecê-lo e ter que ficar meia hora procurando enquanto a família toda espera, deixe sempre em cima da pia, ao lado da esponja de aço, são metais, tem tudo a ver.

6 – Você é daqueles que não dorme tranqüilo, adora cadeados, fechaduras, trincos, pega-ladrão, alarmes e acha que não basta? Deixe embaixo da cama, bem na sua direção, ainda mais se seu irmão tem taco de baseball, previna-se! Seja ladrão, ou irmão, é Oscar na cabeça, não tem pra ninguém. Afinal é um prêmio de peso.

Aviso Importante - Se você não se identificou com nenhuma dessas maravilhosas dicas, não tem importância, batalhe mais por sua carreira, faça mais filmes e quando juntar quatro use como pés para a mesinha de centro com um tampo de vidro em cima. Já tem quatro? Esqueceu das mesinhas de canto?